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“Paxiúba, pistoleiro do rei”. A partir desta assertiva, inicia-se a transformação dimensional do personagem. O semi-humano Paxiúba foi apresentado aos leitores, anteriormente, à moda dos lendários heróis mitificados, mas, como assecla do poderoso dono do Manixi, vigorará, daqui para frente, como personagem da dimensão sócio-substancial. A proposta ficcional do escritor amazonense não lhe concedeu o direito de gloriosamente retornar à (retomar a) dimensão mítica, uma vez que Paxiúba não é herói de narrativa épica. Mesmo assim, até aqui, os adjetivos abonadores caracterizam o herói lendário, e os adjetivos que não combinam com a aura do mito saem da perspectiva diferenciada do escritor da segunda fase do pós-modernismo brasileiro de Segunda Geração. Neste interregno mítico-ficcional, Paxiúba caracteriza o “soldado”, o assecla, o jagunço, o matador profissional, o lugar-tenente dos antigos e poderosos donos-de-terra do Brasil, regidos há bem pouco tempo por normas políticas imperiais.
 “E naqueles mesmos dias ocorreram grandes fatos em outros lugares e horas, históricos e decisivos para a sucessão desta ficção e que relatarei no momento oportuno, mais que para tanto ainda tenho de revelar surpresas de muitos outros ocorridos” . O desenrolar narrativo de “grandes fatos (...) históricos e decisivos” e as “surpresas de muitos outros ocorridos” ficcionais, daqui para frente, serão relatadas pelo segundo e principal narrador, estrategicamente fortalecido pelo incomum imaginário-em-aberto do escritor.
Nos capítulos da terceira fase da ficção rogeliana (do capítulo oito em diante), os quais, pelo meu ponto de vista, explicitam com maior vigor o já mencionado imaginário-em-aberto supraverdadeiro, Paxiúba reaparecerá como personagem simplesmente ficcional. Em uma narrativa autenticamente ficcional (fenômeno da Era Moderna) o poder mítico se fragiliza. Se, como exemplo, recupero, aqui, o Quixote de Miguel de Cervantes, a minha explicação se produzirá sem custo teórico. A partir da Era Moderna, a postura ideológica do herói característico de um passado épico não mais se adequava às novíssimas exigências sócio-culturais que estavam a comandar aquela realidade. Por isto, a nomenclatura diversificada para significar o personagem central de Cervantes: herói da triste figura. Por esta razão, a renovada necessidade de descaracterizar o mito de Paxiúba (e finalizá-lo), no desenrolar narrativo ficcional rogeliano (a supremacia pura / mítica / significativa do personagem, mesmo nas urgências sexuais). A partir do capítulo dez, Paxiúba desenvolverá mais os atributos animalescos instintivos do homem da realidade sócio-substancial, a violência dos sentidos, excesso dos propósitos, o inconsciente imperando sobre a razão, em detrimento dos genuínos e transparentes arroubos sexuais que caracterizaram, no segundo segmento narrativo, a sua personalidade mítica. A decadência do Manixi (a sócio-substancial somada ao mítico-substancial) proporcionou o esboroamento da fantástica força do personagem (a redução da importância mítica do bugre em pequenos fragmentos ficcionais, o lento desmoronar de sua imponência, levando-o para um estado de velhice e morte, de acordo com as normas vitais). Por exemplo, por ocasião da agonia do Manixi (op. cit.: 102), ainda no auge de sua força sexual, Paxiúba se aproxima perigosamente de Maria Caxinauá, dominando-a sexualmente. As “mãos enormes” e os “braços do ser monstruoso” que a agarraram, já não refletiam a posse sexual do ser puramente mítico. Quem agarra Maria Caxinauá é o “mulo” Paxiúba, “a besta selvagem” já maculada por instintos da energia telúrica, originária da matéria primordial.
O personagem lendário desta narrativa, o Paxiúba, nos últimos capítulos, passa a interagir (pela ótica interativa do narrador principal) com as induções visíveis e invisíveis do capitalismo desenfreado (benéficas ou maléficas), intrínsecas no plano sócio-substancial relativo à decadência do aparato capitalista do Manixi (o Manixi mítico permaneceu/permanece intacto, pois o narrador principal, por intermédio de seu narrador-auxiliar, na página 103, afirma que “a floresta vencera”). Posteriormente, envolvido por tais induções, disseminadas na maneira de pensar dos personagens relacionados com o aparato empresarial amazonense, Paxiúba começa a perder a sua aura guerreira ─ o brilho mítico, explícito, que o dignificava ─, terminando sua existência de uma forma diferente do narrar fabuloso, ou seja, pela forma exigida pelo vital, acionada pelo dinamismo cíclico da ficção.
É bem verdade que a dimensão ficcional do Manixi, o lugar onde o poder mítico de Paxiúba se fez/se faz visível, já estava maculado por valores capitalistas, desde o início da trajetória ficcional do primeiro narrador Ribamar de Sousa (e isto será decodificado nos próximos capítulos desta minha apreciação fenomenológica), entretanto, nas duas primeiras fases do romance, o espaço de concepção da obra se projetou por meio da fusão do sócio-substancial com o mítico-substancial (o que os teóricos da literatura em prosa denominam como realismo-mágico). Na primeira etapa, reinou o narrador Ribamar, como representante da dimensão sócio-substancial. Na segunda etapa, o (verdadeiro) narrador, criativamente, cedeu o privilégio ao bugre Paxiúba, pois se percebeu motivado a reclamar a aura lendária do gigantesco personagem, para iluminar e revigorar o seu desenrolar narrativo. Eis aqui a razão (fenomenológica) da imponência do personagem. No entanto, a aura de Paxiúba não permanecerá visível nos capítulos subseqüentes da terceira fase ficcional (e final). E a nova face de Paxiúba começa/começará a aparecer a partir da decadência exterior do Manixi, sustentada e assinalada por ocasião de seu encontro voluptuoso com a Caxinauá.