Os dois personagens jamais ultrapassarão as barreiras que separam o mundo conceitual do mundo amorfo (não-dito), e terão de findar suas vidas, socialmente e miticamente, por intermédio do fogo. Mas, como personagens mitificados, representantes da chave para um novo recontar ficcional, poderão renascer ou não, sair das cinzas ou não, a cada leitura, a cada leitor que obtiver o privilégio de interagir com o texto receptivo de Rogel Samuel. Enquanto houver leitores reflexivos, a oferecer-lhes vida ficcional, Genaro e Antônio partirão “para a estrada como para a morte” , e, páginas adiante, “no meio da noite, (...) toda a floresta em chamas, na claridade aberta e vermelha, entre rolos negros de fumaça” , os dois terão de desaparecer (morrer) miticamente, e o personagem-narrador continuará “vivo e não ferido”, para (depois da extinção dos adjuvantes) modificar e amplificar o curso narrativo.

(...) o fogo sugere o desejo de mudança, de forçar o correr do tempo, de chegar imediatamente ao termo da vida, à outra vida. Neste caso, o devaneio é verdadeiramente empolgante e dramático; amplifica o destino humano; liga o que é pequeno ao que é grande, a lareira ao vulcão, a vida de uma acha à vida de um mundo. O ser fascinado escuta o apelo do braseiro. Para ele, a destruição é mais do que uma mudança, é uma renovação. 


Com o fogo tudo se modifica. Quando queremos que tudo se modifique apelamos para o fogo. O fenômeno inicial é não só o do fogo contemplado numa hora de ociosidade em toda a sua vivacidade e brilho, mas também o fenômeno que se passa graças ao fogo. O fenômeno pelo fogo é o mais sensível de todos; é aquele que mais precisamos de vigiar; tem de ser ativado ou retardado; temos de captar a ponta do fogo que marca uma substância como o instante do amor que assinala uma existência.  

“O fogo sugere o desejo de mudança”. A morte dos dois personagens pelo fogo (arma-de-fogo, flechas incandescentes, fogo na floresta) possibilita a alteração no rumo da primeira seqüência narrativa (sedimentada em princípio pelo arcabouço histórico) para uma segunda etapa ficcional (“a outra vida” gerenciada pela forma do narrar mítico). Com esta atitude, o proprietário da arte de narrar orienta o primeiro narrador para uma segunda dimensão ficcional (auxiliado pelo conhecimento do mito). Submetido à fervura ígnea de seu cogito diferenciador, percebe-se impelido à uma significação calamitosa (tio Genaro e Antônio consumidos pelo fogo) que anime o desenrolar do narrado. O fogo mítico, circunstancial, promove uma espécie de liberdade transitória, em busca das inovações do imaginário-em-aberto da consciência singular, interativa, porque o elemento rigorosamente indispensável ao escritor da pós-modernidade, propulsor de renovados juízos de descoberta, é o ar. O Manixi, a Cidade de Manaus e todos os personagens rogelianos que por ali transitam exalando dinamismo, se refortaleceram ao longo daqueles muitos anos de pesquisa (revelados nas Entrevistas do escritor amazonense), e se animam de um jeito incomum pela “força de elevação psíquica”  do escritor.