Nepaleses morrem em obras da Copa-22

QATAR Em 2014, um trabalhador imigrante do país morreu a cada dois dias nas construções do megaevento
OWEN GIBSON E PETE PATTISSON
DO "GUARDIAN"
Os imigrantes nepaleses que trabalham para construir a infraestrutura da Copa do Mundo de 2022 morreram ao ritmo de um a cada dois dias em 2014 --a despeito das promessas do governo do Qatar de que suas condições de trabalho seriam melhoradas.
O número considera só os trabalhadores do Nepal. Exclui, portanto, as mortes de operários da Índia, Sri Lanka e Bangladesh, o que desperta o temor de que as mortes totais entre os imigrantes, se todas as nacionalidades forem computadas, superem a média de uma por dia.
Entre 1,4 milhão de trabalhadores estrangeiros que movem a onda de construções no valor de US$ 137 bilhões (R$ 356 bilhões) no emirado do Golfo Pérsico, 400 mil são nepaleses.
Muitos viajam a Doha tomando dinheiro de empréstimo de agências inescrupulosas de recrutamento. Ao chegar ao emirado, descobrem que o salário e as condições de trabalho diferem significativamente do que lhes foi prometido.
O Qatar havia prometido combater o problema depois que o "Guardian" expôs a péssima situação de muitos dos seus trabalhadores imigrantes, em reportagem no ano passado.
O governo do país encarregou o escritório internacional de advocacia DLA Piper de conduzir uma investigação e prometeu que as recomendações apresentadas em um relatório publicado em maio seriam implementadas.
Mas organizações de direitos humanos acusam o Qatar de não levar a sério as alterações recomendadas. Essas entidades dizem que não está sendo feito o bastante para investigar os efeitos das longas jornadas de trabalho sob temperaturas que não raro excedem 50ºC.
O conselho nepalês responsável pelas pessoas que são empregadas no exterior informou que 157 trabalhadores do país morreram no Qatar de janeiro à metade de novembro deste ano. Foram 67 de morte súbita cardíaca e oito de infarto. Outras 34 foram registradas como acidentes de trabalho.
Números que a reportagem obteve por meio de outras autoridades nepalesas indicam que o total para o período pode ter atingido até 188 mortes. Em 2013, foram 168 nesse mesmo período.
"Sabemos que as pessoas que trabalham longas jornadas sob altas temperaturas são altamente vulneráveis a ataques cardíacos fatais", disse Nicholas McGeehan, pesquisador de questões do Oriente Médio na Human Rights Watch.
Algumas fontes no Qatar sugerem que o número de mortes súbitas cardíacas seria comparável ao de trabalhadores nepaleses de idade semelhante em seu país. Contudo, na ausência de pesquisas robustas ou de qualquer tentativa de catalogar as causas de morte, as organizações de direitos humanos dizem que é difícil comparar devidamente os números.
Uma série de reportagens do "Guardian" mostrou que as mortes entre os trabalhadores imigrantes do Nepal, Índia, Sri Lanka e outros países atingiam as centenas. Embora alguns dos operários mortos sejam identificados como mortos em acidentes de trabalho, muitos outros aparentemente teriam morrido por obra de paradas cardíacas súbitas e inexplicadas.
O governo confirmou o relatório do DLA Piper de que 964 trabalhadores do Nepal, Índia e Bangladesh morreram enquanto viviam e trabalhavam no emirado do Golfo Pérsico em 2012 e 2013.
Depois que o levantamento foi publicado, o Qatar anunciou que reformaria o sistema da "kafala", que mantém os trabalhadores presos a um empregador.
O governo do país também disse que aplicaria com mais rigor as leis que requerem que empreiteiras ofereçam boas condições de vida e as proíbem de confiscar os passaportes dos trabalhadores.
Mas o sistema que o Qatar propôs para substituir a "kafala" ainda forçaria o trabalhador a se manter vinculado a um só empregador pela duração de seu contrato, que pode atingir os cinco anos.
INSPETORES
O governo do Qatar tem prometido aumentar o número de inspetores trabalhistas e aprovar novas leis que determinam que os salários sejam pagos por transferência eletrônica de fundos como prova de que fala sério quanto a melhorar os direitos e as condições dos imigrantes.
Essas ações, porém, são vistas como insuficientes por entidades como a Anistia Internacional.
Em novembro, o Ministério do Trabalho do Qatar também divulgou comunicado afirmando que estava fazendo o possível para melhorar as condições de trabalho. "As pessoas que nos ajudam a construir nosso país merecem ser pagas com justiça, tratadas humanamente e protegidas contra exploração", declarou o ministério.
"A implementação de mudanças expressivas demoram mais do que alguns desejam, mas queremos promover alterações significativas em benefício de todos aqueles que vivem e trabalham no Qatar."
Tradução de PAULO MIGLIACCI