Nas esporas de um raio
Em: 15/03/2014, às 19H20
[Carlos Nejar]
Jean Cocteau salienta, com razão, que se "reconhece um poeta - não pelo estilo - mas pelo olhar". E o olhar de Diego Mendes Sousa é o fogo de suas metáforas. E se pelas mãos do verso se reconhece um autor, seu olhar está nas mãos, “por ter fogo em suas mãos”. E a frase é do andaluz García Lorca.
Esse olhar, todavia, assinala uma posição romântica no tratamento do amor e certo Simbolismo que permeia as metáforas (lembro dois títulos de livros anteriores: Fogo de Alabastro; Candelabro de Álamo), que mostra o retorno das escolas com nova face, dentro do Modernismo.
Mas este livro fala de uma viagem. Ela vai de texto em texto e de autor em autor (os poemas todos dedicados). Não é uma viagem, como a de Céline, “para o fim da noite”, mas como se vagasse em rodas de palavras, percorrendo em verso curto, quase atomizado, a busca do coração da terra, da pessoa que ama (e tem nome de estrela) e o da poesia. O núcleo central deste palpitar é a volta à Altaíba, lugar imaginário, que vislumbra a Parnaíba, no Piauí, núcleo da infância e o sagrado lugar do nascimento.
Por isso, o poeta salienta, em beleza e profundeza:
”Penetro/ no chão/ abismal/ do grito/ da terra// no escuro / fundo/ da linguagem/ de Deus.//”
Este é o sexto livro do poeta, que demonstra maturidade conquistada, com que amor se infiltra nas paredes dos poemas. E ser poeta é redescobrir a infância no sonho, pois criar é estar na infância.
Sim, tal poesia é andarilha, tendo um ” passar com os pés no escuro”. Com litania suave, andar de silêncios. E as imagens que brotam, uma das outras, como pegadas no chão do desconhecido. E se o sentido da poesia para Borges é “translação”, ou viagem de símbolos, Diego tem nessa romaria, seus próprios mitos, com uma imagética peculiar, original . E a linguagem não retira a realidade, mas a desvenda. Usando a analogia como operação combinatória, em que se elabora como ato de inocência.
Diz Octavio Paz que “a poesia se ouve com os ouvidos mas se vê com o entendimento”. E essa criação, auditiva e visual se desloca no espaço do tempo. Tendo o poeta a memória do coração, como queria Kierkegaard.
Diego Mendes Sousa é forasteiro de si mesmo, por ser sua fronteira ou divisa, a alma . E tenta repetir no ritmo “ o lado do raio”. O raio da velocidade com que a luz se move entre as palavras. E uma velocidade que assusta. Por ser a verdade assustadora.
Paul Valéry afirmava que “ a poesia é o desenvolvimento de uma exclamação”. Ou seja o espanto diante do universo. Permitindo o aparente descaminho, para inventar seu próprio som, hibernando dentro da palavra . É ali , o ninho, a cavidade, a miragem, o carretel, a voz de chilreante passarinho. Com entonação singular, voz que identifica um rosto.
E são tocantes e novas as metáforas, a roupa dos poemas: “Assemelhou-se à neblina/ a doce lágrima da avó”...”O coração é uma tempestade/ a própria/ geada”... ”Aprendeu a alma/ nas esporas de um raio”... ”Morrer:/ o longo dormir// O carretel do coração:/ o pássaro/ a tornar-se ausente.//”... “Estampilhar a alma/ de sinos”. ... “O mar nunca bate/seus pesados cristais”...”sal /epifânico/ e purificado/ de nome “ (...) (A luz) se apaga/na vaga/ do clarão/ e foge.” ...”A universalidade / sela as estrelas” ... “A sublimação dos animais/ é secreta”...
E secreta é a voltagem do ritmo, as elipses, cintilações, o andar de faca do verso e o verso de faca na alma.
Diego Mendes Sousa é um dos expoentes da poesia na Nova Geração geração, com aguda percepção crítica. Tem vocação de humanista, com sede do universal, que ele próprio acentuou, “ a universalidade (que) sela as estrelas”.
E seu livro, Viagem à Altaíba é invenção generosa, a Pasárgada deste bardo da Parnaíba . Se é vertigem dos sonhos, vertigem da infância que se recupera, também prova que os poetas inventam a realidade , como é a realidade que inventa os poetas.
Morada do Vento, Vitória, Espírito Santo, 5 de janeiro de 2014.
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Carlos Nejar é escritor. Da Academia Brasileira de Letras e Academia Brasileira de Filosofia.