ELMAR CARVALHO

 

Do alto em que fica a Igrejinha do Céu, em Viçosa, após contemplarmos a bela paisagem serrana, que de lá se descortina, iniciamos o processo de descida da serra da Ibiapaba, em demanda do Piauí. Ao longo da BR, asfaltada, vimos algumas casas de fazenda, em que se denota relativa prosperidade, seja agrícola, seja pecuária, ou ainda a conjugação dessas duas atividades. Décadas atrás, quando fiz esse percurso em motocicleta, a estrada era de piçarra, cheia de catabilos ou “costelas de vaca”.

 

Na época, vi rangentes carros de boi, carregando feixes de cana para os engenhos produtores de cachaça ou de rapadura. Segundo o historiador e empresário Vicente Miranda, em cujo sítio Serra Azul estivemos hospedados, nos arredores da “colonial” Viçosa, o povoado Delgada possui pessoas trabalhadoras, mormente na área de hortifrutigranjeiros, que desfrutam de uma boa renda e, consequentemente, de um bom padrão de vida, de que dão testemunho as boas casas, que ornam o lugarejo.

 

Passamos ainda pelo povoado Padre Vieira, cujo nome se deve ao fato de que muitos acreditam de que esse jesuíta, grande orador sacro, escritor de linguagem depurada, castiça, um dos maiores representantes do classicismo de Portugal e do Brasil, já que muitos compêndios o consideram como pertencente à nossa literatura, embora ele tenha nascido em terras lusitanas. O fato é que ele esteve na Aldeia da Ibiapaba. Defendeu os interesses do Brasil colonial, insurgiu-se contra a escravidão dos índios e contra o desvio de conduta de certos administradores do reino.

 

No Posto Fiscal, quase na divisa com o Piauí, fica o balneário Pirapora. Trata-se de uma cascata do rio Pirangi, que nasce nas proximidades do povoado Delgada. As águas estavam frias, mas não muito, de modo que, após o mergulho inicial, foi um banho agradável, que apenas eu e o Canindé Correia tivemos a coragem/sabedoria de enfrentar. Perto do paredão da pequena cachoeira, no ponto em que a água borbulha com maior intensidade, ficamos com a sensação de estar tomando uma hidromassagem natural. Todo o leito do rio, no local do balneário, é de pedra, de forma que não há o incômodo de se pisar em lama, que sempre causa algum desconforto.

 

Voltamos ao restaurante do Albuquerque, onde estavam as demais pessoas. Logo percebi que nas colunas do estabelecimento foram escritos versos rimados, em estilo próximo ao de cordel, de caráter educativo, em que se notava a criatividade do poeta e o seu senso de humor. Perguntei à atendente qual era o nome do bardo. Respondeu-me ser Vladimir.

 

Disse-lhe que o poeta tinha nome de poeta, pois imediatamente associei o seu nome ao do poeta russo Vladimir Maiakovski, que deu a alguns de seus poemas uma finalidade utilitária, e não apenas estética, ao defender o ideário e ações do governo revolucionário de seu país, na segunda década do século passado. Indaguei se o nosso Vladimir nascera em Pirapora, tendo a moça me respondido que ele era natural de Cocal, cidade piauense, que ficava a um pouco mais de vinte quilômetros.

 

Entre os vários versos rimados, havia esta mensagem em prosa do poeta de Pirapora: “Um só não salva o planeta, mas cada um deve fazer sua parte. Bote o lixo no lixo.” Notei que o restaurante e algumas pessoas que vendiam em bancas, em outros locais, já começavam a despertar para a importância de não sujarem o ambiente. Colocavam depósitos para o descarte das embalagens e dos restos de comida. Procurei fazer minha parte, pondo o lixo no lixo, ou seja, nos depósitos apropriados.

 

Mas, se não houve poluição de lixo, houve, lamentavelmente, poluição sonora. Um automóvel, portando grandes caixas de som, empestava os arredores com uma música desarmoniosa, de letra horrível, de aterrador mau gosto. Quando eu pensava que o suplício barulhento era o máximo que podíamos suportar, chegou uma possante picape com descomunais caixas amplificadoras, dessas que os jovens chamam de paredões. Começou a se agasalhar nas irregularidades e ressaltos do lajedo. Ainda bem que deixamos o local antes de começar aquela infernal batalha do barulho entre os dois carros. Para mim não seria música. Seria tortura, pela qualidade das pretensas “músicas” e pelo volume ensurdecedor da zoada.

 

Além do banho na cascata, o restaurante construiu uma rústica, porém deliciosa piscina de águas tépidas e límpidas. Canalizou a água do Pirangi, e a levou até o grande tanque. Mais uma vez, apenas eu e o Canindé fomos usufruir do banho, e mais o professor Zé Francisco, que cognominou o Canindé de Aquanindé, por ser ele um amante inveterado das águas, sejam doces ou salgadas, marítimas ou fluviais, mornas ou frias.

 

Da piscina a água escorria e enchia um criatório de peixe, aliando, dessa forma, o lazer à parte eminentemente produtiva, de modo a bem aproveitar o precioso líquido. Segundo pesquisa na internet, pirapora significa lugar onde se tratam os peixes, ou onde os peixes saltam, ou local onde os peixes moram. Em qualquer dessas acepções, o nome ali foi bem posto. Contudo, em lugar de peixe, optamos por degustar duas suculentas galinhas caipiras, criadas e cevadas em Pirapora.