Não está chovendo lá fora (20)

 

                                               Cunha e Silva Filho   

 

          Olho da janela do meu edifício e lá está o sol  límpido de final de maio me convidando pra uma caminhada. Talvez eu siga  a tentação da luz  solar que me arrasta pelo pensamento  a sair de casa. Gosto de casa tanto quanto  gosto da rua. Só que em casa há o conforto, a proteção,  o aparente abrigo de quem se imagina seguro.

          Nada, porém, é seguro neste mundo,  pelo menos quando  se pensa  naquilo tudo que nos cerca vindo  da rua,  da cidade,  do país, do mundo. As vozes são  múltiplas e dissonantes. Não há harmonia nesse   ruído  polifônico. No interior de casa volto à janela. Penso novamente em  descer o elevador e ganhar a rua. Procurando  a rua,  estarei  procurando  algum sentido  do viver. Dobro a esquina  da minha rua e desço uma longa rua  que vai dar  numa  via  principal da Tijuca,  a São Francisco Xavier.

         O importante foi que me decidi a sair e a espairecer,  encher os pulmões de ar puro e continuar  podendo  ver o céu aberto  de um  azul claro matizado, aqui e ali,  de nuvens  mais claras. À medida  que continuo caminhando com aquele prazer de Jean- Jacques Rousseau (1712-1778) contado em página antológica de um livro didático  de Marcel Debrot,  penso em quantos livros  ainda não li  por preguiça ou  por falta de ânimo. Eles estão esperando que a minha mão  os alcance e os devore com  o sabor  dos bons vinhos e de deliciosos manjares. São muitos.

         Alguns são de autores  piauienses que trouxe da minha   mais recente  viagem a Teresina. Estão separados no alto de uma  das minhas estantes. Lá estão eles mudos  convidando-me a penetrar  nos seus  segredos, conflitos, dores e alegrias, ou  na  simples   transmissão de  sabedoria  e de conhecimento erudito.  Gosto muito dos livros, mas não sou um    leitor compulsivo como o meu  amigo  M. Paulo Nunes.

          Leio-os compassadamente. Alguns por necessidade, por mera sede de conhecimento; outros,  por  vontade mesmo de ler atraído por um motivo ou outro; outros, porque não os havia ainda lido posto que  tivesse sido minha obrigação. Leio-os devagar. Uma  falecida professora  minha  do mestrado me recomendou que lesse com mais  pressa - mas como? -, se meu ritmo  é o lento, o  pausado. Por outro lado,  costumo ler mais de um livro ao mesmo tempo.  

           Agora mesmo,  recebi um livro de ficção de José Ribamar Garcia, Filhos  da mãe gentil (2011) ainda não lançado,  publicado pela  mesma editora, a Litteris,  que há muito vem  editando as obras do autor. É seu décimo  livro no campo da literatura. O título  é bem sugestivo  e  cataforicamente  fala em parte  pelo que a obra possa revelar. Prometo a mim  que darei conta  dessa safra de livros de  autores  piauienses de que  falei  atrás.

         É que são tantas as ocupações  do dia-a-dia que um esforço  maior  tenho  que  fazer  pra superá-las. Continuo na minha caminhada. Ouço, ao passar pela  entrada do Colégio Militar, o apito  da campainha  indicando término de uma aula pra outra. Lá me vejo  lecionando  diante  de uma turma  meio  inquieta.  Início de aula.  Entro, cumprimento os alunos em inglês e, seguindo o ritual do colégio,  peço a um aluno  que me faça a apresentação (em inglês) da turma.

         Em seguida,  no alto do  quadro, canto esquerdo,  vou  escrevendo mais uma provérbio  da língua  inglesa,  que uso   como gancho  para uma breve  discussão do seu  conteúdo  com meus alunos. Dizem alguns que provérbios  não expressam  verdades ou lições. Discordo. Vejo que eles  têm muitas lições  de relevo a nos transmitir. Meus alunos, quando eu   esquecia de  colocar  um provérbio  no início da aula, me cobravam: “What about  the  proverb, teacher ?

         Meus passos, firmes,  me levam a percorrer todo o muro  da frente do Colégio naquela calçada velha e  sob a sombra dadivosa  das árvores. Deixo  o muro pra trás. Dobro a rua e prossigo por outra rua  bem arborizada e de construções  meio antigas, algumas belas  e acolhedoras. Uns raios solares  penetram nas  pequenas  brechas  das copas das  árvores e me atingem  uma das faces. Mais adiante, dou com uma  pracinha  onde crianças brincam, sob os olhares vigilantes  das mães, avós ou  babás.  

         Cumprimento  um dos vigias da rua. Vou em frente.  A caminhada equivale a uma quadrado meio irregular, com  sinuosidades no alinhamento de uma das ruas interrompido  por um pequeno  largo que vai dar continuidade a uma rua  de nome  diferente, rua  cheia de casas velhas  algumas possivelmente   da metade dos anos cinquenta do século  passado.

         As casas não são  bonitas, estão maltratadas com  algumas  exceções, e estas por serem  construções mais  novas e ainda bem cuidadas. No  final da rua  arborizada,   volto  pra  rua Barão de Mesquita. O sol, embora já mais quente (já é meio-dia e meia)  é refrescado  por uma  leve brisa. Sinto, aí, quanto  é bom o sol, quanto bem nos faz  quando  a temperatura  está amena como nesta manhã benfazeja. Volto bem melhor e é bem provável que vá  buscar no alto de uma estante  um livro  que me complete o dia e os sonhos. Não sei se  é o melhor dos livros,  mas é um livro.