[Miguel Carqueija]

O barbudo sentou-se à minha frente quando eu tomava um desjejum na lanchonete do Espaçoporto Neutrino, em Cosmorama. Era o próprio clichê do homem viajado, e parecia carregar a poeira meteórica colhida em milhares de anos-luz.
— Sabe — foi dizendo, enquanto tomava um chocolate fumegante — acho que o conheço de algum lugar.
— É possível — respondi algo distraído, pois cortava uma panqueca de partomenia. — Também tenho a impressão de já tê-lo visto. Diga, você já esteve em Caronte?
— Não, nunca... eu sou de Galaxistão, já foi lá?
— Tenho certeza que não. Eu mascateei muito por Homero III, e também em Nova Júpiter...
— Eu não andei por essas bandas. Os meus negócios foram em Elétron, em Cabeleira, em Novo Horizonte...
Trocamos os nossos nomes — eu Aldo, ele Billy — e outras informações, mas nada adiantou. Intrigado, puxei mais pela memória.
— Bem, uma vez, há dez anos-padrão, passei umas férias em Aurora...
— Aurora! É isso! Eu estive lá!
Olhei bem para ele. Agora lembrava!
Ele também lembrou.
— Patife! — gritou ele.
— Filho da mãe! — respondi.
Erguemo-nos de comum acordo, derrubamos a mesa com tudo o que tinha e nos atracamos com vontade, e até caímos por cima de uma garçonete apavorada e cheia de tentáculos. Rolamos pelo chão aos socos, fomos quebrando tudo, enquanto a dona do restaurante, em pânico, gritava pelos seguranças do espaçoporto.
Billy e eu jamais havíamos terminado aquele briguinha começada em Aurora...


(Rio de Janeiro, 4 de julho de 2003)