NANA, um tratado sobre as relações humanas
Por Miguel Carqueija Em: 17/05/2012, às 13H05
(Miguel Carqueija)
Uma complexa e extensa novela gráfica japonesa
NANA, UM TRATADO SOBRE AS RELAÇÕES HUMANAS
Entre as toneladas de mangás e animes da produção japonesa recente, um do tipo “shojo” — que estuda a alma feminina — vem se destacando como o mangá mais vendido no mundo dentro dessa categoria, sem falar do interesse que o anime também desperta.
“Nana”, de Ai Yazawa, foi lançado no Japão em 1999 pela Shueisha e há mais de um ano vem saindo no Brasil pela JBC. Consta que vendeu mais de 22 milhões de exemplares só nos primeiros 12 volumes, e ainda não terminou. Contrariamente à maioria dos mangás, não envereda por temas de ficção científica, terror, fantasia ou sagas heróicas do Japão feudal. Retrata a vida trepidante do Japão moderno, através do ponto de vista de músicos e vocalistas de bandas pop, mesmo “punk”, já em pleno século XXI. A tecnologia moderna aí está; quase todo mundo aparece de celular; os personagens estão muito ligados ao sexo, e oscilam entre inúmeras contradições e esquisitices de comportamento e profundezas de alma, sendo por vezes capazes de se analisarem mutuamente, de se socorrerem e consolarem, num embate de sentimentos que chega a ser envolvente e emocionante.
Há duas personagens femininas mais importantes, a começar pelo título da obra: as xarás Nana Komatsu e Nana Oosaki, ambas com vinte anos na memorável noite em que se conhecem quando, sozinhas, viajam de trem para Tóquio, e sentam no mesmo banco. Aliás, Nana Komatsu, ao se aproximar do banco, tropeça e cai no colo da outra, assim é a apresentação.
Nana Komatsu é uma jovem tímida, chorona, hipersensível, carente e vulnerável. Novinha, já passou por vários relacionamentos amoroso-sexuais inclusive com um homem casado, e sempre se feriu pelas decepções que se foram ajuntando. Infantil, irresponsável, de coração puro e bondoso, acaba sendo apelidada pela Oosaki de Hachiko, tipo de nome muito usado para cachorros de estimação pelos japoneses. Como elas acabam dividindo o aluguel de um apartamento (o célebre “707”), Oosaki acostuma-se a encarar Komatsu, mesmo, como uma espécie de bichinho de estimação. No anime isto é frequentemente ilustrado pela metáfora de mostrar Komatsu abanando o rabo.
Nana Oosaki é totalmente diferente e representa um grande contraste com Hachiko. Oosaki é uma cantora e sua história, apesar da pouca idade, já é repleta de acontecimentos. Ela integrou o quarteto Black Stones (BLAST), na qualidade de vocalista. Sua voz e sua garra interpretativa são extraordinárias — aliás são de ótima qualidade as canções apresentadas no anime e nos filmes de ação viva que foram realizados. No início faziam parte da banda o careca Yasu, o excêntrico Ren, viciado em drogas, e o mais “soft” Nobu, por quem mais tarde Hachiko se apaixona. Ren, porém, acabou se retirando da cidade onde os membros da banda moravam e tocavam, em busca de uma oportunidade profissional: juntar-se à banda Trapnest, liderada pelo misterioso e sombrio Takumi e que incluía a cantora Reira e o músico Naoki. Como o Blast ainda era um conjunto amador, Ren seguia para melhorar de vida e logo se tornava uma celebridade; Nana porém recusou-se a segui-lo, orgulhosa demais para depender de um homem e sonhando um dia superar o sucesso de Reira e do Trapnest. A despedida entre Nana e Ren, na estação ferroviária, foi comovente.
Em sua composição original o Blast era assim: Nana Oosaki, cantora; Ren, baixo; Nobu, guitarrista; Yasu, baterista. Ren vem a ser substituído por Shin, um garoto de 15 anos, largado pela família, bem apessoado e inteligente, que usa “pearcing” unindo o pavilhão auricular ao lábio, e se prostitui para ganhar a vida.
Já a formação do Trapnest, à época em que a história começa, está assim definida: Takumi, baixo; Naoki, baterista; Ren, guitarrista; Reira, vocalista.
Assim, desfeito o Blast pela defecção de Ren, e porque desde então Yasu se dedicava ao seu curso de Direito, Nana acaba tomando um trem para Tóquio, e aí começa a história de seu relacionamento com Komatsu, que se torna uma espécie de mascote da banda, quando ela afinal se refaz com a inclusão de Shin.
Nana Komatsu — Hachiko — tinha uma história bem diferente da outra Nana. Deixara a família para encontrar o namorado Endo Shouji, que um ano atrás fôra viver em Tóquio, onde arranjara emprego. Quando Nana, deixando furtivamente a residência dos pais, resolve seguir Shouji e tentar a vida na capital, encontra a outra Nana — ambas com vinte anos de idade — no trem, como foi dito. Reencontram-se ao procurar imóvel para alugar e acabam dividindo as despesas no mesmo apartamento. Hachiko começa a sentir dificuldades no relacionamento com Shouji, que trabalha até tarde e tem pouco tempo para ela. Nana Komatsu começa a achar que Shouji a está traindo com a “Sachiko” — nome inventado por sua própria imaginação. Quando aparece no restaurante onde Shouji trabalha uma garota miúda e romântica chamada mesmo Sachiko, uma incrível coincidência se desenrola. Ingênua perigosa, Sachiko se coloca humildemente no caminho de Shouji, assim como quem não quer nada, e o rapaz, de caráter fraco, acaba se deixando envolver. O caso é previamente descoberto pelo casal de amigos fleumáticos de Komatsu, Junko e Kyosuke. Para este, Shouji havia deixado de lado a moral de seus atos, ao cair naquela situação ambígua. O desfecho do incidente é desastroso:
Uma noite Nana & Nana comparecem ao restaurante, pois Komatsu queria apresentar Oosaki ao seu namorado. Shouji fica estarrecido, pois Sachiko também está de plantão, mas disfarça o melhor que pode e diz a Hachiko que quer ir na casa dela mais tarde, apesar do adiantado da hora, para conversar algo de muito sério. Sachiko, constatando a gentileza de Komatsu, diz a Shouji que não podem manter aquela situação. O que irá precipitar os acontecimentos é a decisão de Nana Komatsu em permanecer do lado de fora do estabelecimento, apesar do frio da madrugada, disposta a esperar Shouji ali mesmo. Nos comentários que acompanham a saga, ela dirá: “Se naquela noite a Nana não estivesse comigo, eu com certeza teria me atirado no rio”.
Alta madrugada, a porta do restaurante se abre e Sachiko sai correndo, com Shouji atrás que a alcança e abraça, dizendo: “Eu vou terminar com ela!” Nesse ponto é que eles percebem a presença das duas Nanas, que ali se encontram espantadíssimas. Quem porém reage é a Oosaki, com seu temperamento forte e dominador, que pergunta: “Que significa isso? Quem é essa garota?” Sem outra opção diante de tal flagra, o rapaz responde: “minha namorada”. Nana, ainda fumando um cigarro (vários personagens são fumantes inveterados, mas não a Hachiko), responde sarcasticamente: “Quer dizer que o bacana tem duas namoradas? Mas que boa vida!” Ato contínuo, Nana Oosaki lança ao chão o cigarro e, segurando Shouji pelo colarinho com a mão esquerda, arma o soco com a direita. Mas não chega a aplicá-lo, pois Sachiko se interpõe, desenvolvendo-se o barraco: “Não bata nele!” “Sai da frente! Você não tem nada com isso!” “É você que não tem nada com isso!” E Sachiko acrescenta melodramaticamente: “A culpa é toda minha! Eu sabia que Shouji tinha namorada, mas me apaixonei por ele e não pude evitar! Eu sou a culpada! Se quer bater em alguém, bata em mim! Bata quanto quiser!”
Mas a intenção de Oosaki era bater em Shouji, não em Sachiko. Ela resolve então chamar:
— Hachi! Vai ficar aí parada, sem fazer nada? Ele é o seu homem, se você não lutar irá perdê-lo! Vá e tome-o de volta!
Mas seria altamente improvável a doce e gentil Hachiko se rebaixar de sair no tapa com a rival, na via pública e de madrugada. Nana Komatsu, ainda parada e choramingando, dá uma resposta lapidar: — Eu não quero ele. Eu não quero nem olhar pra cara dele.
Diante disso Oosaki pega Komatsu pela mão e, silenciosamente, as duas amigas se retiram daquela cena constrangedora. Mais tarde, buscando consolo, Komatsu dorme no quarto e na cama de Oosaki, abraçada a ela, como uma criança ferida em seus mais recônditos sentimentos.
Após o deplorável caso com Endo Shouji, a vida sentimental de Komatsu Nana irá passar por lances ainda mais dramáticos. Fã extremada de Ichinose Takumi, baixista e líder do Trapnest, consegue ser apresentada a ele. Mais adiante, andando pelas ruas, é chamada por Takumi, cujo carro está em meio a um engarrafamento. Takumi oferece-lhe carona e daí para o envolvimento sentimental e sexual é um passo. Mas Komatsu não quer revelar seu novo amor para Oosaki e os demais: ela já acha que vai se machucar de novo.
O xis do problema é que Takumi é aquele de quem todo mundo fala mal. Apesar de ser alto, magro e elegante, além de inteligente, Takumi é visto como uma espécie de tirano na banda. Não lhe faltam defeitos: arrogante, mulherengo, frio, calculista, por vezes ríspido, em torno dele o mangá vai construindo uma aura de vilão. Todavia, as reviravoltas da história acabam por surpreender o mais calejado leitor. Takumi é displicente em seu relacionamento com Komatsu, ausenta-se até do país com a banda (que de vez em quando vai para a Inglaterra), não telefona, não dá retorno. Hachiko sente-se abandonada e cada vez mais crente nas más qualidades de Takumi, personagem detestado pela Oosaki. Quando uma esperta manobra de Shin coloca Hachi e Nobu sozinhos, o coração da garota passa a se inclinar para o tímido guitarrista do Blast, que já a ama. Hachiko compromete-se a encerrar com Takumi na primeira oportunidade e ficar com Nobu.
Há que entender que estamos numa espécie de submundo, onde os personagens possuem bons sentimentos e, surpreendentemente, até filosofam, fazem observações profundas; entretanto, desligados de qualquer prática religiosa e meio que largados na vida, dependem do bom senso natural para acertar, o que nem sempre acontece. Sucedem-se, nesses personagens, hábitos estranhos e desregrados: o adolescente que se torna garoto de programa, o viciado em drogas, fumantes inveterados, “pearcings” a granel, traições, promiscuidade sexual, há de tudo um pouco. A série é realista, mostra “a vida como ela é” no dizer de Nelson Rodrigues, mas mostra também uma inconsciente busca do ideal, através da arte, do amor e da amizade. Por isso a condição humana, com sua grandeza e sua miséria, é mostrada com requintes em “Nana”.
Voltando ao fio da meada, observamos que, apesar das várias tramas paralelas, a Nana Komatsu domina a história, é com certeza a personagem mais fascinante, correndo paralela aos integrantes da banda, como amiga e admiradora, sempre interessada em fazer o bem, querida por todos pela sua alegria e singeleza. Ajudada de longe pelos pais, ela tem dificuldade em se estabilizar financeiramente em Tóquio, pois, como acaba admitindo, não gosta de trabalhar. É várias vezes admoestada pelos seus devaneios românticos, quando interrompe o trabalho sem perceber. E quando vai dormir tarde após uma reunião festiva dos amigos, atrasa-se no emprego e comparece com a boca coberta por máscara e tossindo, como se estivesse com a gripe suína. O estratagema não cola: ela é sumariamente demitida.
Insegura, indecisa, Hachi não sabe como se livrar de Takumi. Quando este finalmente telefona ela de início perde a coragem de romper por celular, e pede encarecidamente que ele apareça, pois precisa conversar pessoalmente. Rude por natureza, Takumi pronuncia uma grosseria: “Não me venha dizer que você está grávida.” Isso irrita Hachiko que, tomando coragem, exclama: “Então não precisa me procurar nunca mais!”
Agora Hachiko vive uma nova fase romântica, e acredita que seu relacionamento com Terashima Nobuo (Nobu) é o seu sonho dourado. Mas a fatalidade se manifesta, naquele que vem a ser o incidente mais fascinante do mangá, e que resulta na maior de todas as reviravoltas. O episódio frisa eficazmente que, às vezes, o bem e o apoio podem vir de onde menos se espera.
Nana começa a ter enjôos. Preocupada, faz o teste de gravidez, que dá resultado positivo. Hachiko fica arrasada, sem coragem de revelar o fato a ninguém, nem mesmo ao casal de amigos a quem habitualmente confidencia seus problemas: Saotome Junko e Takakura Kyosuke. A pobrezinha nem sabe quem é o pai, considera-se desprezada por Takumi e sabe que Nobuo renunciou à participação nos negócios da família, que lhe garantiriam segurança material, pela vida artística.
Sozinha no apartamento 707, à noite, recebe inesperadamente a visita de Takumi. O que realmente acontece é que, objetivamente falando, o rompimento de relações amorosas não ficara claro só por causa da diatribe de Hachiko ao telefone. Takumi de nada sabia com relação ao envolvimento de Hachiko com Nobu, e não via razão para desistir tão facilmente. Hachiko está em estado de choque: grita para Takumi que não deve se preocupar, pois ela não terá a criança; e que ele deveria ir embora. Ao mesmo tempo vem o engulho, ela corre para o banheiro e vomita. Takumi percebe que a garota não está bem, mas finge atender ao pedido para ir embora. O músico, pensando rapidamente, toma a decisão que irá mudar o curso da trama. Com a pobre Komatsu ainda lavando o rosto na pia, ele se apossa do celular da garota, passa para outro aposento e tranca a porta de comunicação. Quando Nana percebe já é tarde: Takumi está telefonando para o Nobu. Este por acaso estava caminhando pelas ruas em companhia da outra Nana. Eufórico ao reconhecer o número de Hachiko, Nobu se espanta ao ouvir a voz de Takumi. Este vai direto ao assunto: “A Nana está grávida. Não sei se o pai sou eu ou é você. Mas pretendo reconhecer a criança. O que você acha?”
Foi como se Nobu houvesse perdido a língua ou atingido por um raio. Não conseguiu falar nada, enquanto Takumi insistia do outro lado da linha: “Enquanto você se cala, o bebê está crescendo.” Oosaki, intrigada com a atitude de Nobu, toma-lhe o celular e se admira por sua vez ao constatar que quem está falando é o líder do Trapnest. “Cadê a Nana?” Takumi tenta passar o celular para Hachiko porém esta, arrasada pela revelação ao Nobu e por toda a situação, está estendida no chão e só consegue chorar. “Agora ela não está em condição de atender”, explica Takumi. “O que você fez com ela, seu maldito?” Mas Takumi mantém a calma e a objetividade: “Tragam água e suco de uva. Ela precisa beber alguma coisa.”
Infelizmente a situação acaba provocando uma discussão entre Nana Oosaki e Nobu. Ela acha que Nobu deve assumir, mas ele responde que não tem condição de criar um bebê. Além disso ele está perplexo com a presença de Takumi no apartamento. Nobu acaba falando coisas desagradáveis e Nana se afasta dele, e vai procurar Yasu para contar as mágoas e as novidades (Yasu, centrado, atencioso e sério, é o habitual “grilo falante” da huistória). Dessa forma um Nobu sozinho chega ao 707. “Onde está Nana?”, pergunta Takumi. “Não sei.” “E as bebidas?” Nobu nem responde. “Eu já devia saber. Está bem, eu mesmo vou comprar.” Ao se afastar, Takumi ainda observa: “Lembre-se: esta criança não precisa de dois pais.”
É óbvio que os dois homens não se apreciam mutuamente.
Algo, porém, muito significativo, ocorrera entre o telefonema e a chegada de Nobu. Takumi carregou a carente Hachiko para a sua cama, deitou-a, segurou-lhe a mão com carinho e conversou. “O que eu faço com você?” Comentou a facilidade com que ela se envolvia e as consequências. “Se você quiser, eu registrarei a criança.” O oferecimento inesperado causa impacto a Hachiko. E Takumi acrescenta: “Não importa quem seja o pai, você com certeza é a mãe. Fique tranqüila.” Nesse ponto, Hachiko corresponde ao aperto de mão do Takumi. Um raio de luz começa a reanimar a deprimida garota. Então a campainha toca e Takumi dá lugar a Nobu.
O procedimento de Nobu com Nana é desastroso. Ele chega no quarto, a pequena está no leito, chorando, e murmura: “Desculpe.” Ela apenas está se desculpando daquilo que a traumatizou: a gravidez, com seus encargos. Nobu leva aquilo a mal: “Por que está se desculpando? Você não tinha acabado com o Takumi?” Hachiko não responde, já não sabe senão chorar; desarvorado, Nobu insiste: “Fale, mesmo que você minta eu acreditarei!” E diante do silêncio choroso da moça: “Explique-se!”
Pouco depois dessa cena deplorável, Nobu retira-se silenciosamente do apartamento 707, deixando Hachiko entregue à própria sorte e sem nada ter feito por ela.
Este detalhe é importante para compreender bem o que se segue.
Pouco depois Takumi retorna, encontrando o apartamento aberto e vazio. Não encontrando Nana, deita-se na cama dela e aguarda.
Nana Komatsu, sentindo que alguma coisa deveria fazer, saíra de casa e se dirigira, apesar do adiantado da hora, à residência de seus amigos, o casal Junko e Kyosuke. Ela conta tudo e o caso é debatido. Takumi é considerado uma pessoa decidida. Entra em cena a questão do aborto. Infelizmente, é comum nos hospitais já falarem com as gestantes que, se elas preferirem não levar adiante a gravidez, deverão decidir logo etc. Hachiko revela que, de início, pensara que se fizesse isso poderia voltar a viver uma vida normal, como se nada houvesse acontecido. Mas, “ao retornar a clínica, carregando o meu bebê, entendi que se fizesse o aborto, nunca mais poderia levar uma vida normal.” Contra a solução do egoísmo e do comodismo, prevaleceu, de forma brilhante, o amor materno. Hachiko está, nesse ponto, tranquilamente decidida a preservar a vida de sua criança. Não faltarão maus conselhos, até de Nana e Shin; mas a jovem não os escuta. A criança viverá.
O casal a leva de carro para casa. Nana Komatsu agradece e sobe... e tem a surpresa de encontrar Takumi no apartamento, à sua espera.
Os dois conversam em torno da mesa. Humilde, Hachiko diz com voz fraquinha: “Eu quero que o meu bebê seja de Takumi.” Então o líder do Trapnest faz a proposta mais surpreendente: “Nós vamos nos casar.” Hachiko não crê no que está escutando. No entanto, apesar de alguns percalços que ainda ocorrem no relacionamento entre os dois, o casamento se efetiva num clima de mútuo carinho.
O interessante nisso tudo é a aparente contradição nos acontecimentos. Nobu, o “príncipe dos sonhos” de Komatsu, o gentil, educado, romântico e agradável Nobu, na hora H, quando Hachiko mais precisava dele, falhou miseravelmente, procedendo de forma mesquinha e covarde. E o frio, calculista, libertino e orgulhoso Takumi agiu nobremente com a garota ferida em seus sentimentos, e foi o único que a segurou quando ela naufragava na depressão. Apesar de todos os seus defeitos, Takumi agiu como homem.
A história tem muito mais do que isso. Desvenda problemas gravíssimos entre os artistas: uso de drogas, prostituição, fumo desbragado (numa época em que todo mundo conhece os malefícios do cigarro), alcoolismo, promiscuidade sexual, paixão e depressão, esperanças desfeitas, e em meio a tudo isso a luta de pessoas realmente talentosas — apesar de seus vícios — para vencer com sua arte. O drama de Shin, por exemplo, o garoto que, largado no mundo pela família, se torna aos quinze anos um garoto de programa e sem deixar essa atividade ingressa no Blast. A angústia da extraordinária vocalista Reira, que, apaixonada por um indiferente Takumi, sente-se incapaz de cantar ao saber do casamento deste com Hachiko. E várias outras tramas paralelas. “Nana” é um drama gigantesco que deve ser apreciado aos poucos e que, como eu disse antes, tem qualquer coisa de Nelson Rodrigues.
NOTA: artigo escrito há dois anos. O mangá foi interrompido no Japão, mas não concluído. Também fizeram desenho e filme.