NADA DE INTIMIDADES COM A MORTE

Dia desses perdi ente dos mais queridos: uma primeira e dolorida cerimônia fúnebre com todas os seus sofridos desdobramentos; logo a seguir, outro grande amigo foi ter com o Criador. Por estarem ainda em chagas as feridas da última experiência, a dor pela perda veio mais facilmente. Como a vida (e o mundo) é um moinho que tritura sonhos tão mesquinhos – como bem o disse Cartola – ontem, novamente, um companheiro perdeu para a morte pessoa de sua predileção. Fui instado por parentes a participar do velório, das condolências, das exéquias, enfim, do funeral do desencarnado. Neguei-me alegando, principalmente, o fato de querer distância da morte, pois não a acho engraçada, simpática nem agradável; logo, não a tomo por bem-vinda.
 Dizem alguns estudiosos que o indivíduo começa a morrer quando nasce. Verdadeira bobagem. Talvez não para ateus ou desencantados com as infindáveis possibilidades que se nos apresentam pelos caminhos que vamos descobrindo, na proporção de nossos descortinos. Para cristãos, os crentes na vida que não se acaba, tanto quanto para certos espiritualistas, começa-se a viver após morrer nosso corpo material; ou seja: morrer não é o fim, assim como nascer não é o começo de tudo.
 Faz-me abjurar, declarar persona non grata e renegar a indigitada e asquerosa figura, a insofismável constatação da própria debilidade, manifestada na sensação de fraqueza que me invade, ante sua incontestável intransigência: ela simplesmente não me atende os reclamos, não me dá qualquer razão, não aquiesce às minhas exigências por mais justificadas que possam ser e, certamente, não será condescendente comigo ao nos encontrarmos.
 Tenho pela morte um asco mortal. Sua inconteste fortaleza faz com que a abominável, mas manjadíssima ação, por meio da qual elimina fracos e fortes, fortuitamente, uma vez que, mesmo santos e iluminados tantas vezes a repelem, pareça expressão de pura covardia.
 Penso que suicidas nem mártires gostam da morte; na verdade, creio, os segundos se atribuem objetivos que transcendem ou prescindem da vida, existencialmente vivida; enquanto os primeiros apenas desgostam, temporariamente, dela. Para mim, não basta, como meio ou forma de justificar a necessidade da morte, o fato de ela representar a melhor das modalidades de seleção natural. Sou recalcitrante quanto à aceitação de qualquer razão que vise ou enseje embasá-la.
 A ninguém foi dado o poder de obliterar, peremptoriamente, a morte. Mas, nem por isso ou, até mesmo por isso, ouso extravasar como desabafo, revolta ou discordância, claro que, inutilmente, idéias estapafúrdias feito estas, discutindo ou me opondo  aos  métodos e critérios por ela adotados.
 Por fim, gostaria de deixar ressaltado: não quero intimidades com a morte.
     Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal
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