Nada como um quê
Por Antônio Francisco Sousa Em: 07/07/2006, às 21H00
É, certamente, uma das mais úteis palavras da Língua Portuguesa.
Presta-se a resumir, ampliar, suprimir, substituir, identificar, simplificar, explicar, restringir, modificar o sentido ou o significado de tantas outras, em diversas frases, períodos, orações, envolvendo situações as mais díspares. Apesar de muitos verem como pobreza léxica seu uso irrestrito ou abundante, outros dela se fartam com preciosa graciosidade.
Pronome, conjunção, interjeição, pelo menos: no tocante ao aspecto gramatical e morfológico. Sujeito, índice de realce, conectivo, do ponto de vista sintático. Nos dois casos, da mesma forma, essenciais ao entendimento do assunto discutido ou abordado.
Os grandes oradores, discursistas, poetas, cronistas, contistas, historiadores, ver-se-iam, inapelavelmente, traídos se lhes proibissem dela se utilizarem ou se lhes impusessem uma quota.
Figura ímpar entre os mais fortes e interessantes vocábulos de nosso vernáculo.
Nos momentos de maior complexidade, surge para nos tirar do aperto, facilitando as supressões dúbias ou modificando discussões de conteúdo confuso ou espúrio. Possibilita-nos tergiversar sobre irrelevantes teores, dando-nos oportunidade de voltarmos nossas vistas e reais intenções para abordagens inteligentes e pertinentes. É capaz de, agregando idéias aparentemente controversas, permitir-nos chegar a conceitos precisos, sucintos; ou por outro lado, extrapolando denotações previsíveis, adentrarmos e explorarmos conotações subliminares de um determinado produto intelectual. De enorme valia na escrita literária e verbalização do dia-a-dia, pois nos concede escapes ou saídas dos mais áridos terrenos, com a maestria inerente à sutileza da simplicidade. Não nos deixa na mão, sem resposta, desorientados, sejam as realidades quais forem. Pronta a nos garantir subsídios, recursos, a avalizar a exteriorização das manifestações atribuídas à efusão de inteligência.
Bem poucos leram ou escutaram a leitura de um texto de regular extensão, burocraticamente normatizado, tradicionalmente construído, onde não tenha sido, uma única vez, vista ou citada; nele não esteja incrustada como se a dar justificativa, extensão, sustentação e glamour à questão identificada.
Densos tratados literários, técnicos ou científicos, poderiam perder muito de substrato ou da inteligibilidade, se lhes privássemos de tão significativa partícula. Ela nos faculta localizar com celeridade temporal e economia de conhecimento cultural ou prático, o rumo para onde parece nos querer levar qualquer arrazoado sob análise ou estudo.
Sem exagero ou redundância, com utilidade similar à dos verbos de ligação, os indicadores de estados da natureza ou dos animais sentimentos fisiológicos, nenhum outro produto lingüistico tem tanta versatilidade e validade edificadoras.
Ninguém se iluda se, ao tentar organizar certas idéias, mentalmente, ou de modo escrito, sentir-se tolhido de continuar, a partir do instante histórico demarcador da decisão ou da manifesta intenção de dispensar, definitivamente, sua utilização ou de tê-la como elemento facilitador da concatenação racional, contextual; enfim, lógica, da obra projetada.
Nesta simples e modesta lauda de evidente pobreza e, talvez mesmo, dislexia; em face do esforço sobre-humano do redator, voluntária e disciplinadamente, não a empregar nas linhas precedentes, percebe-se o quanto lhe foi custoso levar a cabo seu intento. Constatou, ao final, ser tarefa árdua criar, narrar ou dissertar sobre determinado ou indeterminado tema, sem o socorro e a ajuda sempre bem-vinda do QUE, em suas mais variadas acepções e aplicações.
ANTÔNIO FRANCISCO SOUSA – Auditor Fiscal e escritor piauiense