MÚSICA E LAZER NO CAFUNDÓ
Por Elmar Carvalho Em: 04/01/2015, às 07H30
ELMAR CARVALHO
No domingo, de manhã cedo, o Zé Francisco Marques me telefonou, convidando-me a ir ao sítio Cafundó, do nosso amigo comum José Luís Carvalho do Vale. Lá também estariam o Assis Capucho, sua namorada Fernanda, e a Francilene, esposa do nosso anfitrião. Assis Capucho, de nome completo no registro civil Francisco de Assis Carvalho do Vale, é neurologista respeitado, professor da Universidade Federal de São Carlos, conferencista de prestígio, já tendo proferido palestras em várias paragens do Brasil. É irmão do saudoso médico Júlio Capucho, que conheci em minha adolescência.
José Francisco Marques
Disse ao Zé Francisco que não desejava ir, pois havia tirado o dia para ficar quieto em meu tugúrio. Logo depois, meu celular tocou novamente. Desta feita era o Assis que reforçou o convite “franciscano”. Com as forças minadas, não pude deixar de deferir tão tentador convite. Aliás, como disse o poeta, para rimar com saudade, resistir quem há-de?
Um aviso prévio aos incautos navegantes se faz necessário; apesar do nome, o sítio Cafundó não fica “no calcanhar do Judas” ou “onde Judas teria perdido as botas”, em local inóspito e inacessível, como alguém equivocadamente poderia deduzir, mas em local bonito, aprazível, de fácil acesso e perto de Teresina.
No telefonema, eu e o Assis fizemos referências brincalhonas ao Zé Francisco. Eu disse que ele é uma figura egressa da mitologia greco-romana, tendo o Assis, num retumbante e hiperbólico pleonasmo, o rebatizado de Dioniso Baco, por ele ser um degustador de uvas e um apreciador de vinho, sendo ainda certo que é um consumado enólogo e enófilo, unindo, assim, teoria e prática. Acrescentei que o seu nome completo passaria a ser Dioniso Baco da Silva Orfeu.
Assis Capucho
O acréscimo do codinome Orfeu não precisa de explicação, e deve-se ao fato de que o nosso amigo é exímio instrumentista, dominando com muita perícia um violão e um teclado, que vale por uma orquestra. Quanto ao sobrenome Silva, é que lhe quis dar um misto de nobreza e popularidade ao mesmo tempo, porquanto com esse apelido há homens simples e nobres.
Além do mais, Zé Francisco tem uma bela e forte voz, com uma poderosa memória que lhe permite ter um vasto e eclético repertório, que abarca a bossa nova, a jovem guarda, a MPB e os clássicos do brega, que na verdade são imortais músicas românticas. Para completar a parte musical, o Assis Capucho é um talentoso saxofonista, que em certos momentos ascendeu de coadjuvante a estrela principal, quando executou alguns boleros e outras melodias.
Se tudo isso ainda não fosse o bastante, o Zé Luís, o senhor do sítio Cafundó, é um exímio percussionista, e deu um brilho pirotécnico a esse trio musical. Em alguns momentos ele atuou como se fora um regente, ao inovar em certos arranjos e improvisações, o que me fez lembrar os improvisos do jazz. Também me pareceu um maestro porque soube incentivar o seu irmão a ser mais ousada no saxofone, tendo conseguido que ele fizesse algumas execuções solo, de rara beleza e perícia.
Não tendo Deus me dado o dom da arte do divino Orfeu, não sabendo executar nenhum instrumento e nem cantar, contudo sei apreciar uma boa música, qualquer que seja o seu gênero ou estilo. Contive-me, portanto, em escutar com atenção e em aplaudir com entusiasmo os meus três melódicos amigos. No máximo, tive pálida participação na parte vocal, quando cantarolei, embora de forma canhestra e incipiente, algumas canções, cujas belas letras conhecia.
A manhã domingueira também foi perfeita nos quesitos da libação e dos comestíveis. O nosso anfitrião Zé Luís é um tanto metódico e perfeccionista, de modo que a cerveja por vezes ostentava um elegante “véu de noiva” ou um deslumbrante “pescoço de águia americana”, mas sem nunca congelar. A carne do insuperável churrasco sempre se apresentou tenra e suculenta, pois ele domina o ponto exato do tempo, da distância e do fogo, o que faz a diferença entre um mestre e um simples borra-botas ou melamão. Cabe ainda informar que as carnes caprinas e galináceas tinham a grife Cafundó (ou made in Cafundó, se o leitor americanizado assim preferir).
Em dado momento o Zé Luís me perguntou se o churrasco estava bom ou se poderia ser melhorado. Fui enfático, conciso e radical em minha resposta: “Não tente melhorar; se melhorar, estraga”. É ele um perfeito anfitrião, atencioso e educado, mas sem artificialidades postiças. Essas qualidades e atributos são de sua índole. Como na música do lendário Bat Materson, ele é “sempre elegante e cordial”. Por essas razões, dei-lhe o título nobiliárquico de Barão de Bitorocara.