Muriçocas

[Chagas Botelho] 

Devo ter a pele muito gostosa. O sangue sadio e convidativo. Os braços de um fauno. Só pode ser isso. Na verdade, devo ser um Adônis. Um deus grego, não para as mulheres, é claro, e sim, para elas, as muriçocas, essas diabinhas de canto insistente. 

Essas sanguessugas ao me verem, ao sentirem o meu cheiro, ruborizam e me atacam infrenes. Borrifo inseticida, veneno. Coloco repelente espiral nos cantos da casa, e aí eu mato uma, duas, três e de repente, surgem mil em cima de mim. Vade retro bando insurreto! 

Nada adianta. As pragas, com seus corpinhos esvoaçantes e com meneios de dançarinas, apenas se multiplicam a cada ataque. É muito difícil determinar a extinção dessas perturbadoras que azucrinam sem parar os ouvidos da gente. Vai-se ao banheiro, por exemplo, elas vão atrás. Vai-se à cozinha, elas acompanham. Não há como despistá-las. Começa a dar uma fadiga às investidas dessas insanas. 

Alcançando desta forma, picos de estresse. Por conta deste terror, quase se tem uma síncope. Parem, parem suas pestinhas! Deixem-me em paz. Vão procurar um nobre de sangue azul e deixem o meu sossegado. Não veem muriçocas assanhadas, não veem que o meu sangue é apenas de fluxo comum?