Montaigne e a questão da auto-estima
Por Gabriel Perissé Em: 09/11/2007, às 13H39
Das últimas dez capas da revista Veja, três dão destaque aos escândalos políticos, duas reeditam o clássico Papa x Darwin, a mais recente retoma a questão da saúde individual (relacionada a outra, sobre a luta contra os vícios), e outras duas referem-se a temas recorrentes da vida brasileira: racismo e emprego público.
A edição 2.015 (4/7) estampa o coração do amor-próprio. A auto-estima como garantia de paz interior num mundo estressante, corrupto, violento. Na "Carta ao leitor", o editor cita Michel de Montaigne, cujos "ensinamentos embasam parte da reportagem especial sobre auto-estima".
A fé em mim mesmo, ser o meu melhor amigo, acreditar em minhas capacidades – aí reside a mensagem fundamental dos livros de auto-ajuda. Isto já não é mais segredo, ou ainda é? Da lista dos livros atualmente mais vendidos, vários prometem revelar a chave secreta da felicidade: O Segredo, de Rhonda Byrne, Os Segredos da Mente Milionária, de T. Harv Eker, e O Segredo dos Campeões, de Roberto Shinyashiki.
No final do texto assinado por Rosana Zakabi, descobrimos o porquê da capa. Graças a uma pesquisa realizada pela International Stress Management Association, Veja descobriu que a auto-estima dos brasileiros está baixa. Já os franceses têm alta auto-estima... talvez porque lêem Montaigne no original! Em compensação, a mesma pesquisa demonstra que somos campeões em otimismo... talvez porque não leiamos Montaigne direito!
Desprezo pela vida
O ensinamento do pensador francês, que fundamenta parte da reportagem especial, reduz-se a uma citação: "A pior desgraça para nós é desdenhar aquilo que somos." A frase poderia ser atribuída a Paulo Coelho ou Zíbia Gasparetto. O que a jornalista não fez (algum outro jornalista faria?) foi contextualizar a mensagem. Contextualizando-a, percebemos que Montaigne jamais poderia ter sido mencionado como "referencial teórico" dessa matéria.
A frase pertence ao último capítulo dos Ensaios, no qual Montaigne discorre sobre a experiência como aprendizado. A uma certa altura, escreve: "de nos maladies la plus sauvage, c’est mépriser notre être". Tradução de Sérgio Milliet: "a mais terrível das moléstias é o desprezo pela vida".
Essa moléstia se opõe à ciência de "savoir vivre cette vie", isto é, Montaigne não se refere ao "eu" que devemos amar sobre todas as coisas, mas à vida, a esta vida, à vida que Deus quis nos outorgar – "telle qu’il a plu à Dieu nous l’octroyer".
Montaigne e Veja, nada a ver...
A edição 2.015 (4/7) estampa o coração do amor-próprio. A auto-estima como garantia de paz interior num mundo estressante, corrupto, violento. Na "Carta ao leitor", o editor cita Michel de Montaigne, cujos "ensinamentos embasam parte da reportagem especial sobre auto-estima".
A fé em mim mesmo, ser o meu melhor amigo, acreditar em minhas capacidades – aí reside a mensagem fundamental dos livros de auto-ajuda. Isto já não é mais segredo, ou ainda é? Da lista dos livros atualmente mais vendidos, vários prometem revelar a chave secreta da felicidade: O Segredo, de Rhonda Byrne, Os Segredos da Mente Milionária, de T. Harv Eker, e O Segredo dos Campeões, de Roberto Shinyashiki.
No final do texto assinado por Rosana Zakabi, descobrimos o porquê da capa. Graças a uma pesquisa realizada pela International Stress Management Association, Veja descobriu que a auto-estima dos brasileiros está baixa. Já os franceses têm alta auto-estima... talvez porque lêem Montaigne no original! Em compensação, a mesma pesquisa demonstra que somos campeões em otimismo... talvez porque não leiamos Montaigne direito!
Desprezo pela vida
O ensinamento do pensador francês, que fundamenta parte da reportagem especial, reduz-se a uma citação: "A pior desgraça para nós é desdenhar aquilo que somos." A frase poderia ser atribuída a Paulo Coelho ou Zíbia Gasparetto. O que a jornalista não fez (algum outro jornalista faria?) foi contextualizar a mensagem. Contextualizando-a, percebemos que Montaigne jamais poderia ter sido mencionado como "referencial teórico" dessa matéria.
A frase pertence ao último capítulo dos Ensaios, no qual Montaigne discorre sobre a experiência como aprendizado. A uma certa altura, escreve: "de nos maladies la plus sauvage, c’est mépriser notre être". Tradução de Sérgio Milliet: "a mais terrível das moléstias é o desprezo pela vida".
Essa moléstia se opõe à ciência de "savoir vivre cette vie", isto é, Montaigne não se refere ao "eu" que devemos amar sobre todas as coisas, mas à vida, a esta vida, à vida que Deus quis nos outorgar – "telle qu’il a plu à Dieu nous l’octroyer".
Montaigne e Veja, nada a ver...