Monólogo de todo alienado

[Dílson Lages Monteiro]

eu assisti às multidões marcharem
em massas surdas 
e suas bandeiras 
de partidos 
multidões partidas entre o interesse
e a emoção.
 
as multidões metidas em seus disfarces
riscando as ruas sobre motos, carros, bicicletas
ou no peso que mal comporta
em cada corpo e oração.
 
as multidões
gritando o nome de suas desilusões
na repetição das antigas estórias
repetidas.
 
as multidões trôpegas
e o estalar dos foguetes
as pernas cruzando carrocerias
e o sonho - que sonho! - de poder decidir 
os rumos de cada lugar.
 
eu assisti às lagartas despirem
como antes
em sua fome 
as folhas das árvores 
calado e arrependido 
dos ruídos de minha alienação.
 
eu e as multidões nos confundimos 
de quatro em quatro anos
repetimos o ciclo da natureza - sol e chuva -
e os vicios que o tempo ou nossa ignorância 
não ousam sepultar.
 
oh multidões de que somos feitos:
pele, vísceras e auto-engano
acaso pertecemos á que parte de nós
se não a metade de cada metade
e ao todo que é massa em procissão.
 
eu assisti ao arrependimento 
das casas, das praças, 
e até do ar
 
esperando que o vento toque
em outra direção.
 
e quem duvida que a dúvida
mais certa que a certeza
põe-me perguntas na garganta
de toda paixão
 
e quem duvida que a vida
e seus partidos 
seja só de ilusão.