Momentos de spleen (10)*

 

 

Cunha e Silva Filho


Não pense o leitor que o spleen dos românticos do século 19 acabou em definitivo. Não, não acabou,  pelo menos pra mim, de quando em quando,  me bate à porta e vem com toda a força. Da mesma forma, não sei se o verdadeiro spleen  romântico que  assolou os espíritos dos jovens poetas ocidentais daquele século só a eles dizia respeito.
         Julgo que não, pois com intensidade ele me vem ao meu pequeno  mundo interior, e me deixa em desalento à maneira do “mal do século”. Vem de uma tristeza  que não tem  uma explicação maior, já que o sentimento de  descrença se nutre do instante presente, do fortuito, de certas  ilusões e desilusões inconfessáveis nos períodos difíceis da existência.
O Brasil é um país que  atualmente vai melhor na economia, na vida dos menos favorecidos, e tão quanto ou mais na dos  favorecidos  pelo berço de ouro, pelo grande capital.
         No entanto, o país não vai bem politicamente, sobretudo porque, avaliando ângulos  da vida  brasileira, o quadro que dele tenho é patético. Essa avaliação me leva à seguinte constatação: cada vez mais sinto que os homens, que deviam unir forças em direção a genuínas  convicções,  se dividem inescrupulosamente, falseando verdades e fatos de quem está no poder, e o mais grave é que, de lado a lado, pouco de grandeza humana se oferece de bom.
         Os homens estão divididos, a sociedade está  se tornando errática do ponto de avista  político. Isso não é um fato novo. Vem de longe. Vem de sempre,  aqui e além-fronteiras.. Sem  limites e sem  tempo. Questão universal.  O país, em todos os seus momentos mais  problemáticos, sempre mostrou divisões espúrias, contraditórias, inconciliáveis. Todos  pensam a partir do seu próprio umbigo, e o umbigo humano é pleno de vaidades.
         Não há, a meu ver,  saída para essa  clivagem político-ideológica  – raiz  da condição irreconciliável. As duas margens do rio não se entendem. Há que procurar uma saída para uma “terceira margem”, a daquele personagem roseano. Não se confunda terceira margem com terceira via.
        A pós-modernidade cada vez mais está confusa, pois ela se alimenta  das superposições espaciais, temporais,  das assimetrias, da indiferença e, principalmente, do  individualismo exacerbado. E mais: ela sobrevive não da transparência, mas das zonas cinzentas. Não aprecia  a claridade solar, mas a penumbra,  o lusco-fusco. Filia-se ao caos, promove-o e, assim,  mantém-se no domínio de si própria.
         Nessa  ambiência de superposições,  de aberturas e fechamentos pra todos os lados, na contrafação, no jogo das aparências  de supostas verdades, a nossa era, o nosso tempo, o temo presente, o “homem presente” drummondiano, se vai desgastando,  esfacelando-se no que há de mais lídimo na existência: o respeito à verdade,  ao relacionamento entre  os indivíduos.
         A nossa contemporaneidade deu as costas à autenticidade  das pessoas. Ninguém é visto mais em sua pura  verdade humana. Nos  tornamos  servos da indiferenciação dos gestos, das ações. 

        Tudo se fragmentou, até o amor que de virtuoso passou a exercitar  o mero interesse gerado pelo endeusamento  dos bens do parceiro. 

        Amor contratual. Amizade contratual. Sexo contratual.   Não se quer mais a amizade genuína, incondicional, desinteressada. Não se quer mais o amor do tempo do Romantismo. Vive-se hoje a ausência quase completa da elevação  dos sentimentos. 

          Onde estão os amigos, que não mais nos querem? Fugiram para os seus nichos,  para suas torres de marfins,  para seus castelos medievais. Hoje, só vejo a multidão  sem rosto,  apressada,  anônima. Estou perdido no meio dela e por isso, vivo o outono  do spleen tardio.

 NOTA  AOS MEUS LEITORES:

O  texto acima  foi também publicado em francês na Revista literário-cultural "ORIZONT LITERAR CONTEMPORARAN", BUCARESTE  ROMÊNIA.