Momentos de spleen
Por Cunha e Silva Filho Em: 12/10/2010, às 21H02
Cunha e Silva Filho
Não pense o leitor que o spleen dos românticos do século 19 acabou em definitivo. Não, não acabou, pelo menos pra mim, de quando em quando, me bate à porta e vem com toda a força. Da mesma forma, não sei se o verdadeiro spleen romântico que assolou os espíritos dos jovens poetas ocidentais daquele século só a eles dizia respeito.
Julgo que não, pois com intensidade ele me vem ao meu pequeno mundo interior, e me deixa em desalento à maneira do “mal do século”. Vem de uma tristeza que não tem uma explicação maior, já que o sentimento de descrença se nutre do instante presente, do fortuito, de certas ilusões e desilusões inconfessáveis nos períodos difíceis da existência.
O Brasil é um país que atualmente vai melhor na economia, na vida dos menos favorecidos, e tão quanto ou mais na dos favorecidos pelo berço de ouro, pelo grande capital.
No entanto, o país não vai bem politicamente, sobretudo porque, avaliando ângulos da vida brasileira, o quadro que dele tenho é patético. Essa avaliação me leva à seguinte constatação: cada vez mais sinto que os homens, que deviam unir forças em direção a genuínas convicções, se dividem inescrupulosamente, falseando verdades e fatos de quem está no poder, e o mais grave é que, de lado a lado, pouco de grandeza humana se oferece de bom.
Os homens estão divididos, a sociedade está se tornando errática do ponto de avista político. Isso não é um fato novo. Vem de longe. Vem de sempre, aqui e além-fronteiras.. Sem limites e sem tempo. Questão universal. O país, em todos os seus momentos mais problemáticos, sempre mostrou divisões espúrias, contraditórias, inconciliáveis. Todos pensam a partir do seu próprio umbigo, e o umbigo humano é pleno de vaidades.
Não há, a meu ver, saída para essa clivagem político-ideológica – raiz da condição irreconciliável. As duas margens do rio não se entendem. Há que procurar uma saída para uma “terceira margem”, a daquele personagem roseano. Não se confunda terceira margem com terceira via.
A pós-modernidade cada vez mais está confusa, pois ela se alimenta das superposições espaciais, temporais, das assimetrias, da indiferença e, principalmente, do individualismo exacerbado. E mais: ela sobrevive não da transparência, mas das zonas cinzentas. Não aprecia a claridade solar, mas a penumbra, o lusco-fusco. Filia-se ao caos, promove-o e, assim, mantém-se no domínio de si própria.
Nessa ambiência de superposições, de aberturas e fechamentos pra todos os lados, na contrafação, no jogo das aparências de supostas verdades, a nossa era, o nosso tempo, o temo presente, o “homem presente” drummondiano, se vai desgastando, esfacelando-se no que há de mais lídimo na existência: o respeito à verdade, ao relacionamento entre os indivíduos.
A nossa contemporaneidade deu as costas à autenticidade das pessoas. Ninguém é visto mais em sua pura verdade humana. Nos tornamos servos da indiferenciação dos gestos, das ações. Tudo se fragmentou, até o amor que de virtuoso passou a exercitar o mero interesse gerado pelo endeusamento dos bens do parceiro. Amor contratual. Amizade contratual. Sexo contratual.
Não se quer mais a amizade genuína, incondicional, desinteressada. Não se quer mais o amor do tempo do Romantismo. Vive-se hoje a ausência quase completa da elevação dos sentimentos. Onde estão os amigos, que não mais nos querem? Fugiram para os seus nichos, para suas torres de marfim, para seus castelos medievais. Hoje, só vejo a multidão sem rosto, apressada, anônima. Estou perdido no meio dela e por isso, vivo o outono do spleen tardio.