Modos-de-dizer Paraibanos
Por Bráulio Tavares Em: 09/03/2021, às 23H09
[Bráulio Tavares]
“Disclaimer”: Quando eu falo aqui que certos termos são paraibanos, não estou dizendo que foram inventados na Paraíba, ou que são usados exclusivamente na Paraíba. Me refiro à Paraíba porque sou de lá e foi lá que registrei o uso dessas expressões. Se alguém quiser dizer que também se usam no Ceará, em Pernambuco ou na Cochinchina, fique avon (como se diz em Campina).
Um particular
Uma conversa privada, conversa pessoal. "Minha gente, vocês me dêem licença um instantinho, que eu preciso ter um particular com Fulano." "Eu senti que tinha alguma coisa errada quando o diretor chamou elas duas para um particular depois da reunião."
Seu Quaderna, tenho dois recados pr'o senhor. Um, é do tal Doutor Pedro Gouveia, que veio com o rapaz do cavalo branco; ele quer falar com o senhor, com o Doutor Samuel e com o Professor Clemente. Disse que os senhores fossem lá no casarão dos Garcia-Barrettos, que ele quer ter um particular com os três.
(Ariano Suassuna, Romance da Pedra do Reino, pag. 514-515)
Nem ele
Usa-se como uma pergunta auto-respondida por quem quer enfatizar a ausência ou omissão de alguém. “Fulano marcou comigo na praça, hoje meio-dia, para a gente ir no Cartório resolver essa questão. Tu fosse? Nem ele.” Uma variação: “Marquei com ela para a gente se encontrar na saída da aula e ir para o cinema. Agora, pergunta se ela foi.” Em ambos os casos, não há a menor expectativa de que o interlocutor diga coisa alguma (ou já se conta com a resposta óbvia “não”) -- é um discurso que responde a si próprio.
Quenga
Prostituta; mulher devassa; a amásia de um homem casado. "Todo dinheiro que ele ganha ele gasta com as quengas lá no cabaré da feira."
Houve um rápido bate-boca:
-- Quem é você?
-- Sou Analice. Quem é você?
-- Sou Adelaide, a esposa...
-- Ah.
-- Você, a desavergonhada, a rapariga, a quenga, o maligno...
E mamãe teve um troço e caiu desmaiada do meu lado.
(Marilene Felinto, As Mulheres de Tijucopapo, pag. 38)
Quengo
Como acontece com tantas palavras da língua, enquanto a forma feminina é depreciativa, a forma masculina é elogiosa. “Quengo” significa “cabeça, cérebro, mente”. "Fulano tem um o maior quengo pra mexer com dinheiro, nunca vi uma coisa assim". Tem o sentido literal de "crânio, cabeça", pela semelhança visual entre o crânio e uma "quenga" de coco (a casca dura do coco seco).
Leitor, se não se enfadar
desta minha narração
leia a vida deste ente
e preste toda atenção
que foi o quengo mis fino
desta nossa geração.
(Leandro Gomes de Barros, “A Vida de Cancão de Fogo e seu testamento”)
Por extensão, na literatura oral nordestina, chamam-se "quengos" os heróis espertalhões, inteligentes, que sempre se saem bem em qualquer situação: Pedro Malasartes, Cancão de Fogo, etc. Neste caso, a palavra não indica propriamente a esperteza, mas o indivíduo possuidor dela. Usa-se tanto para dizer “Cancão de Fogo era um sujeito que tinha um quengo privilegiado” quanto para dizer “Cancão de Fogo foi um dos quengos mais conhecidos da literatura de cordel, par a par com João Grilo e Pedro Malasartes”.
Não sei, só sei que...
Indica aproximadamente: “O resto não me interessa; o que é importante é que...” “Não sei, só sei que meu time ganhou. Quem quiser que fique a noite toda reclamando pênalti, impedimento, o que bem quiser.” A frase prescinde de qualquer afirmativa anterior: o sujeito entra na sala e já vai dizendo: “Não sei, só sei que tirei dez na prova!”
Pense num...
Uma expressão que se tornou frequente na Paraíba nos últimos anos, para dar ênfase a uma qualidade da pessoa ou coisa que está sendo descrita. “-- E essa secretária nova, é competente? -- O quê? Pense numa pessoa competente! Pensou? Pois é ela.” “-- O que foi que houve? Você queimou a língua? -- É, ontem de noite eu fui tomar uma sopa... pense numa sopa quente!” Já surgiu uma variante: “-- Eu ouvi dizer que o noivo de Fulana é um cara meio chato... -- Pense num cara chato!... Multiplique!...” V. Respeite.
Respeite
Usa-se para exprimir admiração, ênfase, entusiasmo. “Rapaz! Respeite o filme que tá passando no Capitólio! Eita suspense da porra!” V. Pense num...
No que viu as setecentas lâminas da máquina da morte doidinhas para torá-lo ao meio, as setecentas lâminas que ele mesmo tinha instalado, todas setecentas, Anônio deu um pulo pra cima, respeite o pulo de Antônio, e foi vento que as lâminas toraram somente.
(Adriana Falcão, A máquina, pag. 104)
Toco
Maneira agressiva de tratar alguém, ou de interrompê-lo. “-- Esse ônibus vai pro Catolé? -- Leia a placa que você vê. -- Calma, rapaz, não precisa vir me dar toco não!” “Eu ontem levei o maior toco do patrão, falei pra ele: ‘Olhe, eu queria falar sobre um aumento...’, aí ele disse: ‘Se queria é porque não quer mais!’” A palavra aparece em geral nas expressões “dar (um) toco” e “levar (um) toco”.
Durante um tempo surgiu a expressão “gancho”, com o mesmo sentido, mas de uma maneira mais complexa. Quando alguém dava uma resposta atravessada desse tipo a outra pessoa, uma terceira pessoa dizia àquela que tinha “levado” a resposta: “Sabe o que é isso? É gancho!...” – e mostrava o dedo indicador recurvo, como se fosse o Capitão Gancho.
No futebol, é o gesto de colocar a sola do pé à frente do pé do adversário no momento em que ele chuta: o popular “solado”.
Pastorar
Tomar conta; vigiar. Vem de "pastorear", mas o sentido original acabou se expandindo até abarcar as situações mais variadas. "Fulana, fica pastorando esses meninos que eu vou lá dentro coar um café." "Eu namoro com ela no jardim, mas a mãe dela fica pastorando no terraço a noite inteira." "Se eu fosse você eu ia pastorar aqueles pedreiros todo dia, porque se não essa casa não fica pronta nunca."
Pensava: eu fugir de casa, sem dizer nada ao velho? Causar novo desgosto? Ser menos um pra ajudar na roça? Menos um cortador de lenha, carregador de água para encher os potes? Menos um pescador? Quem iria pilar o café no pilão? Pastorar bodes, pear e despear jegue?
(Celestino Gomes, Da Roça a Roma, pag. 22)
Eu admiro o cachorro
com seus olhos cor de brasa:
bem cedo fica deitado
em uma barroca rasa,
como quem diz pra seu dono:
“Durma, que eu pastoro a casa!”
(Pedro Bandeira, cit. em De repente, cantoria, de G. Amâncio e W. Pereira, pag. 130)