Missiva a um jovem poeta (*)
Por Elmar Carvalho Em: 01/11/2016, às 17H38
Missiva a um jovem poeta (*)
Elmar Carvalho
Com data do dia 20/10/2016, recebi o seu e-mail, com o seguinte e sucinto conteúdo:
“Senhor Elmar lhe escrevo com sinceridade para pedir-lhe que leia o material que lhe envio e me remeta um feedback. Tenho escrito poesias, algo muito amador já que não sou tão versado nas letras, mas tenho um enorme interesse em aprender mais sobre a escrita e suas artes, portanto tenho buscado alguém que possa dividir conselhos sobre como tornar melhor o material que tenho escrito, portanto lhe envio algumas de minhas poesias para que possas me ajudar se assim for possível. Desde já agradeço.”
Tentarei respondê-lo.
Por e-mail, pedi a Ualace Costa, remetente do bilhete eletrônico, que me dissesse a sua idade e a sua instrução formal, para que eu pudesse ter uma ideia de como deveria formular a minha resposta.
Fiquei sabendo que tem curso superior e que tem a idade de apenas vinte e poucos anos. Isso me fez lembrar estes versos da música de Belchior, que tanto ouvi no início de minha já distante e bisonha juventude: “Tenho 25 anos de sonho, de sangue / E de América do Sul”.
Também tive meus sonhos, e um deles era ser poeta, o melhor que eu pudesse ser. Contudo, não faço mais versos. Não os faço, não por desejo próprio, mas porque eles não mais me procuram. E não os desejo fazer à força. A genuína poesia é caprichosa e só nos aparece quando bem deseja.
De início, devo dizer que é uma tarefa muito difícil, e acredito que mesmo impossível, um poeta ajudar outro poeta a tornar melhores os seus poemas. Talvez possa dar algumas dicas, algumas pistas ou alguns “bizus” como dizem os professores de pré-vestibular.
Prefiro fazê-lo em forma de breve depoimento, que você deverá aplicar à sua própria experiência, mutatis mutandis, para gastar um pouco de meu incipiente latinório.
Senti que a poesia ganhava força em mim a partir de meus dezenove anos, e sobretudo quando alcancei a idade que você tem agora, mesmo tendo sido um leitor de poesia desde os meus dez anos.
Não tive pressa em publicar livros, apesar de que publiquei algumas crônicas e contos no jornal A Luta (de Campo Maior), a partir de meus 16 anos. Depois, aos 19, em jornais de Parnaíba e Teresina, comecei a publicar meus poemas. Muitos, apesar de não renegá-los, não os recolherei em livros; fazem parte de minha experiência literária.
O fato de você ir publicando de forma esparsa e entre amigos e professores, faz com que o poeta sinta a receptividade que seus textos estão tendo. Também não podemos ter a pretensão de achar que todos eles são bons. De qualquer sorte sempre é bom que a nossa autocrítica seja rigorosa. Mas é saudável que ouçamos os nossos leitores, amigos e críticos.
Penso que é indispensável ler muito mais do que escrever. Ao escrevermos, não nos devemos esquecer da borracha, da caneta vermelha ou da tecla de deletar. A concisão é necessária, mormente nos dias de hoje, em que há várias mídias, em que há uma multidão de livros, que abarrotam as livrarias, em que há escritores e poetas de mais e leitores de menos.
Por outro lado, pelo menos no Piauí (mas não só), a “carreira” literária é quase sem retorno, tanto de reconhecimento como em termo financeiro. Escreve-se a vida inteira em troca de pouco ou nenhum reconhecimento.
Não sou daqueles poetas que dizem acreditar apenas no trabalho. Acredito na transpiração, mas também acredito na inspiração. Posso dizer que muitas vezes tive o lampejo de um poema, que só veio à luz muito tempo depois. Alguns poemas já nasceram quase prontos, enquanto outros tive que polir, desbastar e acrescer, caso viesse a ter uma ideia que achasse interessante.
Outros poemas os imaginei por vários meses, e até mesmo por alguns anos. Tive que pesquisar para fazê-los. Deixei-os em estado latente, em meu cérebro, até que um dia senti a compulsão irrefreável de escrevê-los. Por vezes busquei esse momento e essas emoções, vendo prédios antigos, olhando velhas fotografias, rememorando certos fatos e situações.
Imprescindível ler os grandes poetas, tanto os do passado como os contemporâneos, para que possamos lhes descobrir as técnicas e macetes, os jogos de linguagem, mas sem que tenhamos a necessidade de nos tornarmos cerebralistas e artificiais. E lermos, um pouco, os maus poetas, para que percebamos muito bem a diferença entre um verdadeiro poeta e um poetastro.
Um poeta deve ter coragem de ser poeta. Isto é, dizer o que deve ser dito, calar o que deve ser calado, mas sem a poda da autocensura. E sempre é válido, sem descurar do estudo da crítica e da teoria literária, ser também intuitivo, e não excessivamente racional e metódico.
Um pouco de humildade não faz mal a ninguém. Sobretudo a humildade para nos mantermos abertos a novas aprendizagens. Ao recomendar a humildade estou falando principalmente para mim mesmo. Manuel Bandeira, que era Manuel Bandeira, escreveu este verso: “Sou poeta menor, perdoai!”
Deixo que você medite sobre minhas pobres palavras, e tire as suas próprias conclusões. Desejo que elas possam lhe servir para alguma coisa. Considero o homem como uma obra em construção, e que ele próprio deve buscar o seu autoaperfeiçoamento. Caso sejamos crentes, poderemos orar, e pedirmos a ajuda de Deus.
Você é poeta. Tem garra para ser poeta. Seus poemas têm substância. Prossiga, sem pressa; prossiga com cautela, estudo e labor.
E sem esquecer a intuição e a inspiração, se é que essas duas palavras não nomeiam uma só e mesma coisa.
Atenciosamente,
Elmar Carvalho
(*) É bom que se leia “Carta a um jovem poeta”, do excelso vate Rainer Maria Rilke, que não consultei para escrever o vertente texto.