Cunha e Silva Filho


    O subúrbio carioca não é bonito para quem chega ao Rio de Janeiro pela primeira vez. O único bairro da ex-Central do Brasil, o Méier,  é uma exceção. É um bairro mais rico, mais elegante, tem movimentos semelhantes aos  da Zona Sul, os mais atraentes  do Rio.
    Tendo ido morar com o tio Zequinha em Oswaldo Cruz, segundo já mencionei, achei o Rio feio, uma cidade que nada tinha a ver com aquelas cenas urbanas das chanchadas divertidas de Carlitos e Grande Otelo assistidas na Teresina  no final dos anos 1950 e começo dos anos 1960, no Theatro ou Rex. Lindas e excitantes eram as cenas filmadas no Centro da capital carioca ou as de outros filmes rodados no Rio em que apareciam partes elegantes da cidade situadas na Zona Sul, mostrando Copacabana, a “Princesinha do Mar,” e a sua esfuziante beleza, m aximé os calçadões da praia bem cuidada e ainda não poluída como nos tempos atuais, com suas belas mulheres usando maiôs.
  Só depois de alguns dias, indo ao Centro do Rio, fui mudando de opinião com referência à cidade  que esperava encontrar. Só quando vi a Av. Presidente Vargas, com a Candelária sempre à frente no meio da paisagem urbana, e sobretudo a majestosa Av. Rio Branco, o palácio Monroe, o magnífico Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional,  Escola de Belas Artes, a Cinelândia e seus bares, os seus cinemas (daí Cinelândia), o prédio da Mesbla, o Edifício Serrador e aqueles outros arranha-céus, sendo o mais belo de então o Edifício Central e tantos outros antigos prédios de arquitetura construída em diferentes estilos, clássico,  neoclássico,  art nouveau, art décor, manuelino, barroco,  modenro,  pós-moderno. Neste prédio, altíssimo pra época,  pude perceber que havia  me equivocado sobre o que era o Rio e o seu justo renome mundial de grande e majestosa cidade cercada de belezas e de paisagens paradisíacas que deixam os turistas de queixo caído.      Sim, o Rio é belo, era e será sempre belo, e assim continuará sendo a despeito de tantas prédios que foram derrubados com a construção do Metrô, como o suntuoso Palácio Monroe, situado quase ao final da Av. Rio Branco e com outras modificações que o Centro da cidade vem sofrendo ao longo do tempo.
  Matriculei-me num curso pré-vestibular para medicina, Curso Arquimedes, situado num prédio hoje já antigo e maltratado, o Edifício Santos Vale, na Rua Senador Dantas. Sempre que passo por este edifício, me lembro do notável crítico literario, Álvaro Lins (1912-1970) que o menciona num livro de memórias diplomáticas – Missão em Portugal (6).
  Esse livro me foi ofertado por um ex-aluno, Manuel Chuva, um filho de portugueses, do tempo em que lecionei no Curso Policultura, já citado anteriormente. Por pouco tempo fiquei no curso pré-vestibular. Primeiro, em razão de não querer mais cursar medicina; segundo, porque não tinha dinheiro para pagar o curso.Juntei ambos os motivos e larguei de vez a ideia de fazer medicina. Contudo, neles havia professores dedicados e competentes, todos estudantes de medicina já em final de curso.
  O diretor, um rapaz ainda bem jovem, pessoa boa e humana, dava aulas de física e português. Certa vez, passara uma tarefa de redação que consistia em dissertar sobre o tema “por que desejo ser médico.” Escrevi meu texto e lhe entreguei para correção. No dia de devolução dos textos corrigidos, li as observações que o diretor me fez, que foram as seguintes: a) “Você tem algum jeito para redigir; b) A sua redação peca por falta de objetividade; c) A prática de redação lhe dará muitos progressos; d) Nunca esquecer de que deve dar margem aos parágrafos.”
  Confesso que não gostei da afirmação de que tinha “algum jeito” pra redigir. No meu orgulho próprio de quem, em Teresina, havia escrito alguns artigos pra jornais, sendo até elogiado pelo professor, escritor e jornalista A.Tito Filho, como ousaria o diretor me dizer que tinha apenas “algum jeito pra redigir? Por algum tempo, me abespinhei com aquilo que, pra mim, soava como crítica ou falta de valorização maior que julgava merecer. Puro excesso de orgulho juvenil.
  Das observações do diretor, uma delas me serviu muito de então pra diante quando escrevesse algum texto: daria sempre a margem ao texto, ao contrário do estilo dos americano, em carta comercial, que não dão margem aos parágrafos.
  Disso tomei conhecimento quando, nos idos dos anos de 1968, trabalhei como escriturário principiante da seção de Câmbio do Banco do Intercâmbio Nacional (já extinto). Na verdade, fazia mais era redigir cartas em inglês, o que me obrigou a aprender inglês comercial e bancário através de bons livros comprados com dificuldades, sendo um dele – o excelente Correspondência comercial inglesa,  de J. L. Campos Jr.(7) - adquirido com um dinheiro dado por meu pai na sua passagem pelo Rio de Janeiro para um Congresso de Jornalistas em Porto Alegre em 1968, anteriormente referido nestas memórias.
  O reparo do diretor igualmente me despertou para o fato de que, em Teresina, ao escrever um artigo à mão, não dava margem aos parágrafos. O jornal é que cuidava de me enquadrar no formato apropriado. Essa passagem de minha vida sobre ela já relatei alhures num artigo no qual falava sobre a experiência inicial do grande crítico Antonio Candido de escrever pra colunas de jornais. Recordo ainda sobre esse assunto que meu pai, escrevendo à mão seus artigos e outros textos de sua produção, não dava a margem aos parágrafos, conforme anos mais tarde, sendo encarregado por ele de copidescar seu livro Gatos do palácio(8), notei que, mesmo a cópia datilografada da obra, não estava com as margens dos parágrafos, o que os ingleses chamam de indented lines. (Continua).

NOTAS:

(6)LINS, Álvaro Lins. Missão em Portugal (primeiro volume). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960.
(7)CAMPOS JR., José Luís. Correspondência comercial inglesa . São Paulo: Editora LEP S.A, 1964.
(8) Esta obra, uma sátira política, quase nos moldes de outra obra dele, Copa e Cozinha (Teresina,PI.: Academia Piauiense de Letras/Projeto Petrônio Portella, 1988), conforme informou uma das minhas irmãs, foi extraviada. Eu diria por negligência de meus familiares. É lamentável que tenha sido perdida. Tal fato não ocorreria se ainda morasse em Teresina. Enquanto vivi com meu pai, cuidava de sua biblioteca, a que chamo afetivamente de “quarto-bibllioteca.” Depois do falecimento de meu pai, tudo se esboroou do seu pequeno mas valioso acervo, com obras de muito valor e, por incúria, extraviadas. Eu me sentia o “warder” de seu espólio bibliográfico.É imperdoável esse fato.Outro fato desagradável que constatei foi o seguinte: a Tese de meu pai, O papel de Floriano Peixoto na obra da proclamação e consolidação da República (1957) - é triste afirmar – foi também extraviada. Por algum tempo, estive com ela aqui no Rio de Janeiro. Depois, por amor aos livros e respeito ao acervo de meu pai, numa das viagens a Teresina, devolvi a Tese ao seu lugar nas estantes de meu pai. Não deveria ter devolvido se soubesse que não iriam cuidar bem dos seus livros; ficaria com a tese que iria ter um lugar de honra na minha biblioteca.A primeira Tese  dele, graças a Deus, se encontra na minha biblioteca. Tem por título A odissea do cativeiro no Brasil, Tese submetida à Escola Normal “Antonino Freire,” no concurso para catedrático de Historia do Brasil, 1952. Essa Tese foi defendida e aprovada. Menino, acompanhei meu pai durante a defesa. A que  foi extraviada foi  uma Tese apresentada  à cátedra de História do Brasil do Colégio Estadual do Piauí (antigo Liceu Piauiense), a qual, no entanto,    não chegou a  ser  defendida. Desconheço as razões.