SESSÃO NOSTALGIA:

 

NOTA PRÉVIA AO LEITOR:

A CRÔNICA ABIAXO FARÁ PARTE DO MEU LIVRO:

         NÃO ESTÁ CHOVENDO LÁ FORA.

                             (CRÔNICAS)

 

Meu reino por um anúncio

                                                                                  Cunha e Silva Filho

                              

      Você já imaginaram, leitores,  um jornal de grandíssimo  porte que tudo faz desde que o “abre-te sesamo” lhe entre nos  polpudos cofres? Não importa que alguém tenha alma, tenha espírito, tenha crença, seja ateu, seja velho, moço, criança. O que importa é que seja um objeto de lucro, de lucro insaciável.

         Com os diabos  os valores morais, éticos,  intelectuais, o passado,  o currículo de alguém, o que tenha feito, o que não tenha feito.  Aquilo que se levará sempre em conta será o vil metal,  o tilintar das moedas, não patacas,  tostões, mil réis, cruzado. Importa, e muito, se for real, dólar, libra esterlina,  euro ou assemelhado. Para o cofre! Eia, esta é solução única,  desejada, agradecida, bem-vinda.

        O que estiver fora desse campo magnético,  ó maravilhas  do presente imediato, do hic et nunc,  do certo e líquido,  do acertado e combinado e, principalmente, do  pago antecipadamente, com  dinheiro, cash, cartão de crédito, débito ou outro processo  virtual/real   desde que encha, encha, encha até a tampa do cofre surdo  aos valores  metafísicos, aos valores da vida  cultural, do passado histórico-literário,  da participação outrora de movimentos  de mudanças e novos rumos  das letras nacionais. De produção  criada com a dor do coração  ensanguentado,   das noites mal dormidos.

     Se não estás na mira  da mídia, da arte massificada,  do  pouco-tempo,  do estrelato  fabricado, vá tirando teu cavalinho da chuva, que nada e ninguém te virão em socorro na vida  e sobretudo no além-túmulo. Oh, tristes figuras  erráticas do além-túmulo que viveram angustiadas pela espera  do  sucesso honesto e desapadrinhado! A memória no país  dos Bruzudangas é curta e injusta. Enterra, mesmo  quem não deveria ir para o limbo do “never more”. E o faz sem  dó nem piedade. Piedade por quê?  Não há piedade na náusea humana.

   Não há misericórdia para os esquecidos, para os que morrem de fome de justiça, de ansiedades e  angústias  no nosso meio lítero-cultural  ( me perdoem o provincianismo  da expressão). São, como certa vez, já disse, os outcasts de Poker Flat. Sim, desterrados e enterrados com  o espírito afundado no  sofrimento   de ter passado na Terra sem ter sido   merecidamente    recompensado, não  em dinheiro ou fortuna  de bens móveis ou imóveis,  de dividendos, de overnights  acumulados   e egoisticamente  guardados no cofre  da perdição  da alma,  mas recompensados pela virtude do  merecimento,  dos feitos de ter tornado  a vida chã mais fértil  em estesias e deslumbramento que só a Arte  pode conseguir. Bolas para a alma! O importante é o mercado, o lucro – esse  o orgasmo  dos milionários.  Nada de valores  estéticos, os únicos que contentariam  o homem  de letras  que nasceu vocacionado para os embates  da criação  intelectual.

    Sonhaste o sonho  dos inocentes,  dos que julgavam,  a princípio, que a partida  da corrida  teria um um happy end. Contudo,  happy ends  só existem no plano  do onírico ou nos  filmes românticos  hollywodianos, no plano mesmo daquilo que viste  elaborado com alma e dor em forma  de obras, de livros, de projetos, de êxitos  perseguidos e, ao final, naufragados.  

    Teus feitos, para o mundo  dos espetáculos e das estéreis   efemérides   contemporâneas, sobraram  apenas para alguns poucos, para íntimos,  muito íntimos ou apenas admiradores  formando um pequeno grupo. Tudo o mais  desapareceu como aquela embarcação de Moby Dick, ou seja,  tudo  tragado  pela força do mar e da natureza indiferentes à sorte dos mortais.  O homem se foi, virou cinzas,. Sua obra fica. Ainda  que não seja lida agora, poderá sê-lo em outra época. O tempo é esfinge, surpresa  e mistério.