O meu, não tenho dúvidas, é um limoeiro especial, um bravo. Resistir, com força e coragem, a tempos inóspitos doenças e calamidades que a qualquer outro ser vivo determinaria o fim, não é para os comuns. Brindar-nos, como vingança por essas vicissitudes naturais, a cada restabelecimento, com maiores e mais sumosos limões, era sublime.


Poderia muito bem, se quisesse, arvorar-se superior; contudo, preferiu continuar, modestamente, sua vida de luta e sacrifícios, temperando-se contra as perseguições cotidianas.


Com os pássaros que utilizavam seus fortes galhos para armarem os ninhos e aos quais disponibilizava espinhos pontiagudos para defender-lhes as proles de vizinhos inoportunos, além de flores para perfumar o ambiente onde novas vidas brotavam, viveu maravilhosas simbioses.


Em nenhum momento, dos difíceis por que passou, mostrou-se como certos homens: mais poderosos que os deuses. Ou como essa corja que, escolhida pelo povo para, em seu nome, lutar pelo bem-estar de todos, foge dessa atribuição; ou idiotas que se julgam intocáveis, indispensáveis e, por isso, não aceitam críticas nem admoestações pertinentes. Jamais se armou de intenções perseguidoras ou revanchistas. Nem contra os cupins e pulgões que, dia após dia, minavam-lhe as forças, sugando-lhe a seiva da vida, agiu ameaçadoramente ou em sua própria defesa. Talvez sentisse que precisava garantir sobrevivência até às pragas que lhe matavam.


Muitos indivíduos, como os pulgões e cupins fizeram com ele, roubam-nos a esperança, põem nossa fé na berlinda e quando ousamos discordar de suas insuspeitas intenções ou lhes mostramos que estão agindo equivocadamente, melindram-se, esperneiam, usam atitudes vingativas; munem-se de sentimentos mesquinhos, pequenos e rasteiros; revoltam-se.


Hoje, vítima de senilidade precoce, conseqüência de sofrimentos e traumas vividos, e suportando a cifose que a natureza lhe impôs como pena por ter sempre carregado tantas e tão fartas cargas, meu limoeiro vai cumprindo seus últimos dias. O verde-escuro de sua, outrora, densa copa, dá lugar a um amarelo-esmaecido; as folhas, antes, pequenos e lustrosos círculos, hoje, são opacas, pontudas e escamadas. Os pássaros, amigos de todas as horas, no entanto, são solidários: sofrem, alegram-se e fazem festa com ele. Apesar da inclemência dos raios de sol que transpassam sua rala galhada, ainda se arriscam construindo ninhos em seus tortos e ressecados galhos.


Meu velho amigo, perecerás sem ter visto mudança de procedimento e de atitudes em muitos representantes da raça humana. Certamente não viverás o suficiente para testemunhar a conversão de crápulas e hipócritas em homens de verdade, do tipo que admite girar um mundo ao redor de todos, não somente deles; que acreditam na supremacia dos interesses coletivos; não escroques com carapuças de pura idiotia, como os que pensam ser a solução para todos os males. Homens que, a despeito de muitos perceberem quão tolos e pequenos são, imaginam-se poderosos, além de toda realidade e acima do bem e do mal. Gente que crê seja o universo nada mais que um cenário para suas cabotinices; um território particular e indevassável como os armários e as gavetas de sua própria ignorância.


Meu limoeiro, quantas lições tu me deste. A frondosa e marcante figura que apresentaste ao longo da vida não vai ser substituída pela imagem magricela, sofrida e encurvada que ora tens. Tudo que fizeste de bom me acalenta, dá-me força e faz ressaltar uma verdade inconteste: ninguém precisa se mexer ou sair do lugar para fazer o melhor pelos outros