Imagem: Google
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[Chagas Botelho] 

Meu irmão teve intermináveis passagens pelo hospital. Sofria de uma doença grave que prefiro não mencioná-la.

Com isso e com ele, a família inteira adoeceu. Em sua última noite de vida, fui o acompanhante. Era o meu plantão. Densas horas que jamais esqueci.

A enfermeira entrou no quarto, pôs um copo transbordante de achocolatado sobre a mesa e tentou erguer a cabeça dele para que bebesse um pouco do líquido marrom.

Era o que ainda conseguia engolir. Bebeu com dificuldades, mas conseguiu sorver. Em instantes seguintes vomitou tudo. O estômago dilacerado não segurava mais nada.

Com voz trôpega, deficiência de nascença, agora mais ainda agravada pela moléstia, me pedia insistentemente que o levasse para casa. Queria morrer em sua cama.

Tentou se levantar, porém, não conseguiu. Com o corpo frágil e inchado, adormeceu. Um choro em profusão saiu de mim. Mal consegui velar seu sono. A esperança que meu irmão acordasse e curado voltasse a sorrir, me consolou.

De manhãzinha, minha irmã chegou. Preparei-me para ir embora. Antes de partir, antes de colocar a cara fora daquele leito de sofrimento, ela me disse: “Pede à mãe para preparar o velório. De hoje ele não passa”.

O pedido fúnebre me levou a nocaute. Em casa e já no banho, o cheiro forte de achocolatado exalou no banheiro. Parecia descer do chuveiro.

O mesmo cheiro nauseabundo da noite passada. Senti ânsia e logo pensei: “Meu irmão morreu. Veio aqui me avisar”. Após sete dias, o sol resolveu clarear meu luto.

Sai da penumbra. Pus-me de pé. Ainda consternado, entrei em seu quarto. Ação sufocante. Custava-me acreditar que o mais velho dos irmãos, não dormia mais nele, não existia mais nele.

Fui impulsionado a entrar em sua alcova pela canção que ele amava: "𝐯𝐨𝐜𝐞̂ 𝐦𝐞𝐮 𝐚𝐦𝐢𝐠𝐨 𝐝𝐞 𝐟𝐞́ / 𝐌𝐞𝐮 𝐢𝐫𝐦𝐚̃𝐨 𝐜𝐚𝐦𝐚𝐫𝐚𝐝𝐚/ 𝐀𝐦𝐢𝐠𝐨 𝐝𝐞 𝐭𝐚𝐧𝐭𝐨𝐬 𝐜𝐚𝐦𝐢𝐧𝐡𝐨𝐬 𝐝𝐞 𝐭𝐚𝐧𝐭𝐚𝐬 𝐣𝐨𝐫𝐧𝐚𝐝𝐚𝐬".

Ao som do ídolo de massa (a música interior), senti meu irmão me abraçar apertado. Um amplexo para salvar vidas em momentos mortos. Um enlace que me acalentava e de certo modo me dizia: “Fica tranquilo irmãozinho, está tudo bem. Estou em paz”.