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 Em la clínica del arte de leer, no siempre el que tiene mejor vista lee mejor.

Ricardo Piglia (El Último Lector)

No fim da década de 70 surgiu uma série de estudos cujo objetivo era investigar a cognição animal. Um deles recebeu o nome de “Teoria da Mente”. Desde essa época, a expressão passou a ser utilizada para se referir às pesquisas sobre a habilidade humana de perceber os pensamentos e emoções de outras pessoas. Ou seja, a capacidade do ser humano de colocar-se no lugar no outro.

Apesar de ainda ser uma teoria, na medida em que a mente não é diretamente observável, muitos estudos vêm tentando explicar os processos mentais que desencadeiam a empatia ou a falta dela. Um exemplo é a pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Neurociência Cognitiva da Universidade College de Londres, onde pesquisadores procuram compreender o autismo do ponto de vista psicológico, já que sua principal anomalia é a incapacidade de construir elaborações sobre a mente alheia.

Recentemente, outro estudo, utilizando a Teoria da Mente, teve suas primeiras conclusões publicadas na revista Science. A hipótese defendida por essa pesquisa é de que a literatura pode contribuir para melhorar o relacionamento com outras pessoas. Além disso, o estudo constatou que não era qualquer tipo de literatura que provocava esse efeito. Segundo os resultados até agora obtidos, a chamada literatura “fácil” ou “popular” não seria a responsável pelo aprimoramento da habilidade social, mas a ficção considerada “séria”, como obras finalistas ou ganhadoras de prêmios literários.

Para os pesquisadores Emanuele Castano e David Kidd, do Departamento de Psicologia da New School for Social Research em Nova York, isso ocorre porque as obras literárias “mais difíceis” não se centram apenas nas tramas, mas, principalmente, nos perfis psicológicos dos personagens, forçando o leitor a preencher os espaços vazios, interpretar intenções e até mesmo tornar-se coautor da história. O exercício dessas habilidades desencadeia processos mentais mais complexos que treinam a capacidade de teorização do cérebro. Como diz o professor Kidd, “A leitura pode ser uma experiência poderosa”. Tão poderosa que pode, segundo a pesquisa americana, aprimorar a aptidão de um indivíduo em compreender o comportamento do outro.

O escritor argentino Ricardo Piglia diz que não existe nada mais real e ilusório do que o ato de ler. Um paradoxo que caracteriza bem o efeito da literatura sobre aquele que lê. O leitor é quem determina os limites entre o real e o imaginário. Cabe a ele estabelecer as conexões que tornarão a leitura mais ou menos satisfatória. Esse é um dos motivos da “ficção séria” ter obtido melhores resultados no quesito “reflexão sobre o outro”.

Quando tudo já foi exposto, nada há a ser imaginado. Nesse caso, o cérebro não recebe os estímulos necessários e a mente permanece em uma espécie de inércia, impedindo que novos nexos (sinapses) sejam feitos e emoções mais complexas possam ser elaboradas. Portanto, são os paradoxos criados pela boa literatura que servem de alimento à mente, tornando-a mais sensível na percepção dos sentimentos do outro.

No entanto, é preciso reconhecer que a ficção “popular” (os bestsellers) também tem um papel importante nesse contexto maior chamado literatura. É como disse George Orwell em um ensaio intitulado “Bons Livros Ruins”[1]: “A existência da boa leitura ruim – o fato de podermos nos entreter, ficar irrequietos ou mesmo emocionados com um livro que nosso intelecto simplesmente se recusa a levar a sério – é um lembrete de que a arte não é a mesma coisa que cerebração”. De minha parte, acredito que esses “bons livros ruins”, mesmo que não ajudem a desenvolver a empatia (hipótese da pesquisa americana), podem agir como uma espécie de “desbravadores da leitura”. Eles são capazes de auxiliar na formação de novos leitores, dando a eles o estímulo necessário para começar a ler.

Depois, quando o “vício” se instalar, acredito que o verdadeiro leitor estará pronto para voos mais ousados, pois o escapismo oferecido pela ficção popular não será mais suficiente. Nesse momento, ele se sentirá compelido a abandonar a passividade imposta por esse tipo de literatura, saindo da sua zona de conforto e transformando-se, quem sabe, em protagonista das histórias que ele também ajudará a construir.

Enfim, é muito bom saber que pesquisas sérias estão sendo realizadas sobre os benefícios da literatura sobre a mente humana. E quando esses benefícios têm a ver com a habilidade de se colocar no lugar do outro, é impossível não se sentir feliz. E, como já disse Jorge Luis Borges, a leitura, com certeza, é uma forma de felicidade.



[1] Esse ensaio encontra-se no livro “Dentro da Baleia: e outros ensaios” da editora Companhia das Letras.