[Bráulio Tavares]
 
Um que está se multiplicando é o Gif do Falso Desfecho. Alguém posta uma imagem de um lenhador dando as últimas machadadas num tronco gigantesco a ponto de aluir. Ficamos esperando a queda da árvore, guiados por uma frase-isca, “o desfecho é sensacional!” ou “não entendi esse final”, ou “só percebe se prestar muita atenção”.  Mas não, as machadadas (a ação preparatória) ficam rodando em loop e a piada é com a gente.  Quer mais filosofia prática do que isso?
 
Os gifs são álbuns de figurinhas de fãs: o carrinho percorrendo os corredores do Overlook Hotel em “O Iluminado”, a valsa das espaçonaves em “2001”, uma briga-relâmpago de espadas num épico japonês. Mais interessantes e mais difíceis de capturar são aqueles com alguns segundos de um riso, uma expressão no olhar, um gesto eloquente de um ator. Ou uma pequena simetria de movimentos que, ladrilhada ao longo dos segundos, pode produzir efeitos de humor ou musicais ou emotivos. Algo real, que poucas pessoas lembram, mas está ali.  Uma contração nos lábios de Audrey, uma sacudida-de-ombros de Jardel Filho, um olhar de esguelha de Shelley Winters, uma palitada-de-dentes de Wilson Grey.
 
 
Quem capta essas coisas já as tinha na memória, e foi rever o filme à sua procura? Ou estava meramente vendo o filme e aquela pérola repentina cintilou na tela, e ele decidiu recortá-la para si? Meu reino por algum software tipo “Gifmaker”. Você está assistindo um filme no DVD da sala, ou no do notebook, aí gosta de um trechinho, para, volta, vem acompanhando até chegar a cena que você quer. Aí aperta um botão no controle remoto, uma vez para começar gif, duas para encerrar. Fica uma cópia no aparelho e outra vai na mesma hora para seu celular.
 
Gifs viralizam primeiro quando são compartilhados, repetidos, quantificados. E depois quando começam a ser interferidos ou (para usar um termo da moda) ressignificados. Um meme recente como o de John Travolta, casaco sobre o braço, hesitante, fazendo um gesto vago de “sim, mas cadê?” vira um comentário beckettiano capaz de ser aposto a qualquer situação humana. Buster Keaton perseguido por pedras rolantes numa encosta, uma menininha loura jogando dólares pela janela, Shirley Temple fumando o cachimbo da paz, um homem subindo incansavelmente uma escada que não para se se alongar... 
 
São gestos congelados no âmbar da imagem, são cartuns animados sem legendas. Uma linguagem que já existia: seguramente os editores de revistas de cem anos atrás já imaginavam a possibilidade de substituir a foto costumeira por uma breve sequência de uma ação animada, em ritornelo constante, ativada no abrir da página.