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Dílson Lages Monteiro
1/8/2004
 
A POESIA DE MARTINS NAPOLEÃO


"A poesia de Martins Napoleão é agradável, forte, grave e musical. Poesia cheia de encantamento e mistério, busca na tradição a essência, vestindo a poética de um sentimento absolutamente universal". As impressões são de Herculano Moraes, autor de Visão Histórica da Literatura Piauiense, com quem conversamos sobre a obra de Benedito Martins do Rego Napoleão. Conversa cujo teor publicamos nesta edição de Entre-textos.

 


Dílson Lages - Martins Napoleão parece a mim um poeta injustiçado, um poeta que não recebeu ainda uma divulgação que corresponda ao valor de sua poesia. Correto?
Herculano Moares - O que acontece com a poesia de Martins Napoleão é talvez conseqüência de seu contorno filosófico, da sua forma de difícil penetração, de seu plano ideológico, porque a matriz dele é a literatura inglesa (Kids, Coleride) poetas que deram uma conformação filosófica a sua produção poética. Foi a partir da publicação da Visão Histórica da Literatura Piauiense que se começou a conhecer a poesia de Martins Napoleão. Agora, cabe a nós fazermos uma maior divulgação de sua poesia, tão bela, tão perfeita e tão conectada com o espírito do simbolismo, com a sua época e com o "pró-modernismo".
Dílson Lages - Qual, escritor, a importância da poesia de Martins Napoleão no contexto da Literatura Piauiense?
Herculano Moraes - Quando se começa a estudar a Literatura Piauiense, há uma preocupação com os originários, com os primeiros, Nesse contexto, aparecem José Coriolano, Licurgo de Paiva. Nós descobrimos que o José Coriolano não era o introdutor do Romantismo. Quem o introduziu foi Licurgo de Paiva. Percebemos também que há uma inadequação dos autores no contexto das obras que foram publicadas tentando periodizar a literatura e, devido a isso, estamos com um mapa de periodização da literatura pronto, adequando os autores no contexto nacional. Os românticos - os românticos piauienses - a partir de agora, serão estudados em sintonia com os românticos nacionais. E assim acontecerá com os parnasianos, com os simbolistas, enfim, com todos os autores que integram a literatura piauiense. O Martins Napoleão, creio eu, no estudo de sua obra, foi prejudicado pela forma, pela grandeza de sua poesia, pouco compreendida. Quando se lê Martins Napoleão, se vê muita substância, mas uma poesia muito erudita e isso o prejudicou um pouco, principalmente porque há bem pouco tempo nós estávamos apenas ensaiando do ponto de vista da crítica literária, do ensaio literário. Começamos a trabalhar um pouco para reverter essa situação. Alguns professores universitários e de cursinhos também resolveram se debruçar sobre o estudo das obras de autores piauienses e, hoje, temos muito bem estudados Assis Brasil, Fontes Ibiapina, O G. Rego de Carvalho, Álvaro Pacheco, H. Dobal, mas precisamos resgatar um pouco a literatura de Licurgo de Paiva, Álvaro Ferreira, Baurélio Mangabeira, Martins Napoleão, João Ferri e a de tantos outros. Precisamos de mais apoio das universidades e das escolas particulares. Com esse mapa de periodização da literatura piauiense, já citado, estou fornecendo uma cartilha que pode orientar a escola a implantar o ensino de Literatura Piauiense na grade curricular. Com esse mapa, acredito que vamos resgatar obras piauienses que não são devidamente reconhecidas. Nos temos na literatura piauiense, por exemplo, um grande romance que se chama Teodoro Bicanca, de um escritor renomado, Renato Pires Castelo Branco; mas, nas escolas locais e, inclusive, nas associações culturais, não se conhece essa obra, nem outras importantes obras de Renato Pires.

 


Dílson Lages - Percebemos o humanismo e a religiosidade muito explícitos na poesia de Martins Napoleão. Como o senhor vê a presença desses elementos na poesia dele? São elementos que afastam ou encantam o leitor?
Herculano Moraes - É a família. Nós somos do interior e a família, especialmente nas décadas anteriores a de 60, foi fortemente influenciada pela religião - a religião era muito firme, muito forte, a ponto de orientar caminhos. Invariavelmente, as famílias ricas e abastadas - Martins Napoleão era originário de uma família rica, de expressão em União, os Rego Monteiro - queriam ter pelo menos um advogado, um médico e um padre. E orientavam os filhos para isso, as filhas ficavam em casa, nas prendas do lar, para se casar com uma pessoa escolhida pela família. Já os filhos eram destinados para a faculdade de Medicina da Bahia ou a Faculdade de Direito de Recife; até os anos iniciais do século passado, havia também a necessidade de terem um padre na família. Veja bem. Você sabe que as impressões infanto-juvenis ficam tatuadas na alma da pessoa. Os poetas conseguem reproduzir essas imagens com nitidez enorme. E, quando o fazem, muitas vezes, dão uma roupagem filosófica a isso. A roupagem da poesia de Martins Napoleão, creio, era originária da família, da formação religiosa que recebeu no seio familiar. Agora, se isso afasta ou aproxima o leitor é uma questão a ser examinada com um certo rigor, porque tivemos no Piauí, também, outro poeta importantíssimo, Taumaturgo Sotero Vaz, de poesia totalmente religiosa, que não teve a projeção devida. Mas há que se ressaltar o seguinte: na época em que Martins Napoleão viveu, o triunfo era da poesia satânica, ligada as tabernas, a noite, contrária aos princípios religiosos que nortearam a poesia de Martins Napoleão e de grandes autores como Dante Milano. Talvez isso tenha influenciado, porém não posso afirmar categoricamente.

 

Dílson Lages - Outro traço comum à poesia de Martins Napoleão é a presença viva do telurismo . O que o senhor tem a dizer sobre o telurismo presente em Martins Napoleão?
Herculano Moraes - Se você verificar a poesia de Ovídio saraiva, vai encontrar muito pouco da terra piauiense. Você encontra um soneto e referências muito aleatórias. Por quê? Por que Ovídio Saraiva saiu muito cedo do Piauí e não absorveu nada, nada dessas imagens infanto-juvenis que geralmente se fixam em nossa memória. Se você perceber a obra de Assis Brasil, observará que ela está impregnada, especialmente a tetralogia, de imagens e coisas ligadas ao Piauí. O Martins Napoleão viveu parte da infância e da adolescência aqui. Esses valores da terra em sua poesia é o idílico que está presente. Ao imagens que guardou de sua União campestre, da sua União cheia de natureza. Ele faz com que isso jorre de forma tão romântica, tão intensa que você não consegue ver nada de banal nisso, mas tudo de grandioso. Penso que a família é que dá origem a religiosidade, como já disse, e essas imagens retiradas da infância e da parte da adolescência ´que fazem grandiosa a sua poesia