Manuel de Araujo Costa, um pioneiro na colonização do Piauí.
Em: 21/04/2025, às 12H50

Reginaldo Miranda[1]
Não é segredo que a colonização dos Sertões de Dentro somente teve início em meados do século XVII, cento e cinquenta anos depois dos Grandes Descobrimentos. Foi a partir de 1662, sobretudo de 1674, que o colonizador lusitano fincou os moirões dos primeiros currais nos vales ribeirinhos daquele território que viria a ser o Piauí. Esse feito ganhou notoriedade, notícias correndo por todo o reino, aquém e além mar. Era preciso gente destemida para colonizar a nova conquista, levar a religião cristã aos povos pagãos e alargar as fronteiras portuguesas em rumo das Índias de Espanha. Era o que se dizia.
O eco desses feitos eloquentes chegou ao Alto Minho, ao lugar de Romão, pertencente à raiana vila de Ponte da Barca, encostada na fronteira da Galiza. Desde então, nunca mais teve sono tranquilo um jovem morador daquele lugar, Manuel de Araújo Costa, que passou a sonhar com aquela nova conquista; precisava conhecê-la, participar daqueles feitos memoráveis, conquistar terras e fazer fortuna. Não se tratava, porém, de gente desgarrada, pois vivia com seus pais “de suas fazendas”, conforme disse um vizinho por nome João Rodrigues[2]. Mas as possibilidades que se abriam eram enormes, além da aventura que vislumbrava. Por outro lado, é importante perceber o sistema de morgado que vigorava em Portugal daqueles dias, onde o patrimônio da família permanecia inalienável e indivisível, na mão do filho primogênito. Esse sistema impedia a fragmentação e o perpetuava no seio da família, pela primogenitura e geralmente na linha varonil. Conservava, assim, os alicerces materiais dos grupos sociais nobres, mantendo privilégios e a memória coletiva da linhagem. Às filhas varoas restava o casamento mediante o pagamento de dote, a vida religiosa ou a permanente proteção do irmão primogênito administrador do morgado; aos demais irmãos varões, restava a vida eclesiástica, a carreira militar ou a emigração. Um dos irmãos intermediários de nosso biografado seguiu vida religiosa, ordenando-se padre católico em 1682, no Seminário de Braga. João de Araújo Costa era seu nome. Manuseamos seu processo de habilitação de genere, rico em informações genealógicas. Manuel era mais moço e três anos depois da ordenação sacerdotal do irmão, fez as malas e rumou para aquela nova conquista, no Brasil.
Manuel de Araújo Costa nasceu em 1665, no lugar Romão, pertencente à freguesia de São Lourenço de Touvedo, termo da vila de Ponte da Banca, no Alto Minho. Era filho de Gaspar da Costa, morador no mesmo lugar, porém, natural do lugar Cimo de Vila, na extinta freguesia de São Jorge, termo de Arcos de Valdevez, hoje pertencente à União das Freguesias de São Jorge e Ermelo; e de Serafina de Araújo, natural e moradora no referido lugar de Romão, da freguesia de São Lourenço de Touvedo, para cuja companhia fora o marido depois do matrimônio, vivendo, ambos, de suas fazendas. Era neto paterno de Manuel Gonçalves e Maria Gonçalves, naturais e moradores que foram no lugar de Cimo de Vila, da mesma freguesia de São Jorge, no vizinho termo de Arcos de Valdevez, onde faleceram; e materno de João da Costa e Ana de Araújo, moradores no lugar Romão, da freguesia de São Lourenço de Touvedo, sendo ele dela natural e ela do vizinho lugar Prona, na extinta freguesia de Passô, termo de Vila Verde. Era, pois, natural do mesmo lugar do avô materno, sendo os outros avós naturais da vizinhança, porque naquele tempo não era comum grandes deslocamentos dentro do reino, a não ser para aqueles que ingressam na carreira militar ou partiam para as colônias.
Por volta de 1685, com cerca de 20 anos de idade, o minhoto Manuel de Araújo Costa deixa a casa paterna e enfrenta os perigos do mar, desembarcando na cidade da Bahia. Não sabemos informar se o irmão sacerdote o acompanhou para a Bahia ou se permaneceu no reino.
Ao desembarcar na cidade da Bahia, Manuel de Araújo Costa não demora a casar-se com a moça donzela Luzia Henriqueta da Conceição, provavelmente filha de algum compatriota ali radicado. Era comum esses rapazes virem do reino para a companhia de algum parente ou conterrâneo, casando-se com uma filha deste ao chegarem. Assim estabelecido e deixando a esposa em casa dos genitores, parte para o longínquo sertão do Piauí. Antes havia se entendido com os ricos sesmeiros Domingos Afonso Sertão e Julião Afonso Serra, pioneiros da conquista. Então, funda a fazenda Sussuapara, no vale do rio Piauí, de larga extensão, onde se estabelece na companhia de um casal de escravos que adquirira e levara da Bahia[3]. Os anos seguintes foram de muito trabalho, construindo currais e apascentado gado bovino e cavalar para o comércio na Bahia, além de animais de menor porte para o consumo no lugar. Encontrava-se nessa lida típica da pecuária nos campos agrestes do Piauí, quando recebe a visita do padre Miguel de Carvalho, em 1693. Em desobriga, este recebeu sua confissão e pediu-lhe ajuda para construir igreja e instalar uma nova freguesia naquele território. Araújo Costa não regateou, figurando entre os beneméritos da nova freguesia, que fora instalada em 2 de março de 1697, com a posse de seu primeiro vigário, Pe. Thomé de Carvalho e Silva.
Permaneceu diretamente nessa faina por cerca de 17 anos, fazendo viagens anuais ao Recôncavo da Bahia, para comercializar as cavalarias e boiadas de gado curraleiro pé-duro que as conduzia, com a ajuda de vaqueiros, pela longa estrada. Era desse comércio que tirava o seu sustento e investia o excedente para implantar novos currais, como faziam os demais criadores de nosso sertão. No entanto, com visão aguçada, não somente investiu na pecuária, como também em imóveis urbanos na cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, que os alugava para aumentar-lhe a renda.
Por fim, depois de construir sólido patrimônio, entregou a administração de suas fazendas a prepostos e, por volta de 1702, fixou sua morada na cidade de Salvador, onde ficara sua família. Em depoimento firmado em 2 de novembro de 1705, foi qualificado como morador na cidade da Bahia, onde vivia de seu negócio, sendo cristão velho, com 40 anos de idade[4]. Conforme se disse, esse negócio envolvia a criação e comércio de gado vacum e cavalar e aluguel de imóveis urbanos.
Nessa altura, Manuel de Araújo Costa ficara viúvo de seu primeiro matrimônio, do qual não tivera filhos. Em segundas núpcias, casara-se com Ana de Oliveira[5], descendente de importantes famílias da colonização da Bahia e Sergipe. Desse segundo consórcio, teve dois filhos: Padre Domingos da Conceição, que deixou um legado de 400$000 ao sobrinho e afilhado Marcos Francisco; e Antônia do Espírito Santo, natural da cidade da Bahia, casada com João Francisco de Paiva, natural da freguesia de São Pedro do Paraíso, concelho de Paiva, Bispado de Lamego, em Portugal; o casal fixou residência na fazenda Canavieira, vale do rio Gurgueia, hoje cidade de mesmo nome, sendo genitores do ouvidor-geral Marcos Francisco de Araújo Costa, tronco da família Araújo Costa, no Piauí.
O minhoto Manuel de Araújo Costa faleceu em 27 de setembro de 1719, com apenas 54 anos de idade, já viúvo da segunda consorte; fez testamento em 19 daquele mês e ano, por está “doente em cama”; foi sepultado na igreja de N. Sra. do Monte do Carmo, de Salvador; entre seus bens, declarou possuir 320 cabeças de gado vacum divididas em duas fazendas do Piauí; duas moradas de casa de pedra e cal e seis de taipa, todas em Salvador, além de quatro escravas[6]. Deixa seu nome associado à colonização e fundação de fazendas no Piauí, aos investimentos urbanos na cidade de Salvador e, sobretudo, tendo deixado larga descendência por via de seu neto Marcos Francisco de Araújo Costa. Pertencia a família profundamente católica, tendo sido benemérito na construção da igreja da vila da Mocha, hoje cidade de Oeiras, além de possuir irmão, filho e bisneto sacerdotes, dentre outros parentes.
[1] Advogado e escritor. Foi vice-prefeito municipal de Bertolínia. Membro titular da Academia Piauiense de Letras, de que foi presidente em dois biênios consecutivos. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí, de que é atual vice-presidente e coordenar editorial. Mestrando em Direito Constitucional pela UNIFOR. Integra pela segunda vez, lista sêxtupla para o cargo de desembargador do TJPI. Contato: [email protected].
[2] Processo de habilitação de genere de um irmão, João de Araújo Costa. Portugal. Braga. Processos de habilitação sacerdotal. Cx. 1990, ano 1682.
[3] CARVALHO, Pe. Miguel de. Descrição do sertão do Piauí. Comentários do Pe. Cláudio Melo. 2ª Edição. Coleção Grandes Textos. Teresina: APL/FUNDAC, 2009.
[4] Diligência de habilitação de Gonçalo de Barrios Taveira. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Gonçalo, mç. 6, doc. 102. PT/TT/TSO-CG/A/008-001/10174.
[5] Há parentesco entre Ana de Oliveira e Antônia Gomes Travassos, que fora casada com o capitão-mor Gonçalo de Barros Taveira. O Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco (neto desse último casal), em depoimento prestado em autos de Devassa, para mostrar ausência de impedimento, declarou que seu parentesco com Marcos Francisco de Araújo Costa (neto do primeiro casal) era em grau distante, na linha transversal. Presumo que esse parentesco era por via dessas duas matronas. Em se confirmando essa suposição, seria Ana de Oliveira descendente do primeiro provedor-mor da fazenda do Brasil, Antônio Cardoso de Barros, morto em 16 de junho de 1556, pelos índios caetés, juntamente com o Bispo D. Pero Fernandes Sardinha, depois de sobreviverem a naufrágio
[6] Autos de inventário de Manuel de Araújo Costa. Arquivo Público da Bahia, autos de inventário 3, maço 619. In: COSTA, Sebastião Martins de Araújo. Dados genealógicos da família Rocha. Edição íntima. Rio de Janeiro: 1954.