[M. T. Piacentini]

 --- Gostaria de saber o que é feito, em nossa língua, como é falada atualmente, com o tempo verbal mais-que-perfeito. Ex. É o que Plotino percebera, ao ver no “Deus é amor” um amor que “irradia em si e para si” (Julia Kristeva, História de amor) em que o revisor de textos “corrigiu” percebera e colocou percebeu. G. Ribeiro, Itatiba/SP

 
De fato, tem-se a impressão de que ninguém mais o emprega. Refiro-me apenas ao pretérito mais-que-perfeito simples [fora, amara, vendera, saíra], restrito quase que apenas ao âmbito literário, pois o mais-que-perfeito composto continua a ser usado cotidianamente: tinha sido, tinha amado, havia vendido, havia saído são as formas verbais comuns na linguagem falada. 
 
A rigor, o mais-que-perfeito não deve se confundir com o pretérito perfeito simples: este exprime uma ação ou processo que se completou no passado; aquele, uma ação que ocorreu antes de outra já passada. Sendo assim, a construção no mais-que-perfeito está sempre ligada a uma oração no pretérito – geralmente no mesmo período. Mas algumas vezes, dependendo do estilo de quem escreve, o pretérito perfeito vem na sentença anterior. Nos exemplos abaixo se pode perceber a íntima relação dos dois tempos verbais:
 
Um sueco devolveu as moedas que roubara em Vaexjoe, no sul do país, em 1972, informou o jornal local. 
 
A viagem se tornara tão monótona que a maioria resolveu desembarcar no primeiro porto.
 
Quando chegamos, a festa já havia começado.
 
Daniel, 25 anos, acidentou-se gravemente. Meses antes, ele tinha recebido um rim doado pela própria mãe.
 
Então, uma frase isolada admite os dois tempos verbais: É o que Plotino percebeu/ percebera, ao ver no “Deus é amor” um amor que “irradia em si e para si”. O problema com o revisor de texto é que, não sendo analítico, ele não consegue perceber uma diferença que só o contexto poderia explicitar. Sem a indicação do que foi dito antes, é o pretérito perfeito que será visto como correto. 
 
--- A professora podia dizer quando é que de fato se usa o pronome quem? Para se referir a uma pessoa também posso usar que? A. Silva, São José/SC
 
Emprega-se o pronome relativo quem com referência a pessoa ou coisa personificada:
 
Podemos ver as declarações da Microsoft, para quem essa operação mostra como o panorama da concorrência pode mudar rapidamente.
 
Ganhou de presente um gato persa, a quem tratava regiamente.
 
A mim quem converteu foi o sofrimento. (Coelho Neto)
 
Quem lançou as bases do Direito das Gentes foi Vitória. 
 
Só quem sabe amar pode ser feliz.
 
Nos três últimos exemplos (nos quais não há um antecedente), o pronome quem é denominado relativo indefinido. 
 
Para iniciar orações adjetivas restritivas e explicativas, somente o pronome que é usado:
 
João, que mora em Goiás, passou as férias numa praia catarinense.
 
Ofereceu um jantar ao ministro que acabara de ser nomeado.
 
Entretanto, quando a preposição se faz necessária, emprega-se quem:
 
Ofereceu um jantar ao ministro a quem acabara de nomear.
 
Gosto das pessoas com quem trabalho.
 
Olha, chegaram Milena e Juli, de quem falávamos há pouco.
 
O governador fez bela homenagem a Marcílio, a quem sempre admirou.