MAGNANIMIDADE, NÃO!

Outro dia lemos uma espécie de ensaio, um pequeno tratado, a respeito da subdivisão do Piauí para criação do estado do Gurguéia. Muito bem escrito, como não poderia deixar de ser, dada a categoria intelectual de seu autor. Diversos estudos estatísticos foram arrolados e, provavelmente, apenas por falta de espaço não estiveram acompanhados de mapas ou dos demonstrativos, normalmente utilizados em trabalhos com aquelas características. Claro, não foi somente a ausência desses aparatos explicativos que permitiu pairassem dúvidas acerca do assunto que, verdade seja dita, é muito mais insosso, modorrento, tedioso e monótono do que, efetivamente, explosivo.


 A diferença básica desse texto para alguns dos que, antes, havíamos visto publicados, estava no fato de que, nesse, o mentor do projeto de cisão estadual já não falava, precipuamente, nos ganhos que o Gurguéia teria com sua emancipação, pois preferiu insistir na idéia de que, em nenhuma hipótese, o Piauí sofreria prejuízo, a menos que  algum tolo considerasse dano a perda de sessenta por cento de seu considerado mais produtivo território, pouco explorado, dentre outras causas, em virtude da extraordinária distância entre a capital, sede do governo estadual atual, e mais rico município, e os do extremo sul piauiense, que seriam açambarcados pelo novo estado. Esqueceu-se o articulista de dizer que muitos municípios do desejado novo ente federativo sempre forneceram políticos, homens públicos que, ao longo dos anos, nos governaram, foram eleitos parlamentares ou feitos administradores estaduais e federais e, tanto esses quanto a maioria da população, ao que tudo indica, jamais colocaram como prioridade o desenvolvimento da região, ou teriam obrigado governos e representantes políticos a nela aplicar ou para lá carrearem os recursos de que necessitava.


Parece visionário crer-se, agora (que seja desde 1990), que a simples separação territorial e administrativa dos dois entes, como proposta, seria suficiente para manter a hegemonia econômico-financeira do Piauí, livrá-lo dos indicadores econômicos e sociais que só relevam nossa pobreza e, ao mesmo tempo, permitir ao nascituro Gurguéia a autonomia de que precisa para deslanchar no cenário nacional, começando pela inexplicável injeção, durante dez anos, de dez bilhões de reais anuais em investimentos próprios, somente para serem aplicados em infra-estrutura.


 A propósito, de onde viriam esses bilhões? Do poder público, certamente, não. Da prestação de serviços aos piauienses, também não, porque nós, certamente, daríamos preferência aos conterrâneos. Da iniciativa privada, dos especuladores? Se é que existem, por que não são injetados, imediatamente, na região? Seriam oriundos da poupança dos “gurgueianos” que moram alhures e que trariam consigo, no seu retorno à terra natal?


 Estariam, verdadeiramente, imbuídos do espírito de altruísmo e magnanimidade os defensores do estado do Gurguéia? O que os faz acreditar que essa cisão possibilitaria a viabilização do Piauí? O fato de livrá-lo dos encargos referentes a vinte mil servidores públicos, ou ter sua capital menos distante dos demais municípios? Sim, porque segundo estudos citados por articuladores da divisão, o pretenso Gurguéia representaria: sessenta por cento do território piauiense, cerca de vinte e dois por cento da população; porém, menos de quatro por cento da arrecadação do ICMS, menos de dezesseis por cento do PIB, ou seja, uma economia que, possivelmente, não lhe garantiria, sequer, auto-sustentação, o que levaria o Poder Público a ser seu principal mantenedor. Logo, esse racha pode justificar qualquer coisa, mas não a retomada de projeto de desenvolvimento; tampouco, pode ser havido como a redenção do Piauí.


 Como, caso o projeto de cisão seja legalmente aprovado, será um plebiscito, cuja maioria dos eleitores é piauiense, que decidirá pela viabilidade ou não da criação do Gurguéia, resta aos que torcem por ele apresentar dados econômicos e sociais substanciosos, capazes de pôr fim a especulações ou desconfianças quanto aos subliminares ou sub-reptícios interesses políticos desses que tão ardorosamente desejam o nascimento do novo ente.


     Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal
     ([email protected])