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FORTUNA CRÍTICA

MAGALHÃES DA COSTA (1937 - 2002)

Um senhor contista

Francisco Miguel de Moura
(Da Academia Piauiense de Letras)

Um dia, no final dos anos 60 da centúria passada, conheci um certo senhor de nome José Magalhães da Costa, por acaso formado em direito pela Universidade Federal do Ceará. Por concurso, era magistrado de profissão e exercia, naquela época, o cargo de Juiz de Direito de Alto Longá, neste Estado. Mas já há algum tempo vinha a rabiscar seus contos e continhos e os publicava no "Almanaque da Parnaíba", única revista aberta a tais cometimentos literários, no Piauí de então.
Desde estudante em Fortaleza, Magalhães da Costa - assim era já o seu nome literário - inventava e escrevia suas histórias.
Quando menino, cheio de inteligência e sentimentos aprimorados no batente da vida de caboclo de Piracuruca, tinha o apelido de Zé de Branco e era acostumado a lidar com os caboclos do eito e da fazenda, fosse tangendo o gado para o pasto e para a aguada, fosse levando-o ao curral para o desmame ou desleitamento, e preparava-se para o que ninguém nem ele próprio pensava que seria: o maior contista destas quebradas, depois de Fontes Ibiapina, e um dos melhores do Brasil.
Claro que aqueles trabalhos todos de Magalhães da Costa, quando não expurgados, foram reescritos, reestruturados, submetidos aos concursos das revistas CIGARRA, ALTEROSA e outras que circulavam nacionalmente. Assim, além do gosto para as letras e a coragem para enfrentar o livro, ganhara alguns prêmios e muita tarimba no ofício de escrever ficção curta.
Um certo dia, Magalhães da Costa conhece este que lhes escreve, mais Hardi Filho e Herculano Morais, trinca que, em 1967, fundara o Círculo Literário Piauiense (CLIP). Dali em diante, nunca mais nos apartaríamos. Eis porque afirmo e confirmo que ele, o contista Magalhães da Costa, embora não inscrito oficialmente, pertencia e pertence ao movimento literário que já está batizado e carimbado com o nome de GERAÇÃO DO CLIP, sendo o nome mais expressivo na ficção contística.
Magalhães da Costa, como afirmei antes, continuava a escrever, escrever pouco e reescrever muito, e a reformular e refinar o estilo, no dia-a-dia do trabalho como magistrado e também como professor de colégio pelo interior onde prestou inestimáveis serviços em ambas as atividades.
A estréia em livro, só aconteceu em 1970, com CASOS CONTADOS, um pouco tarde como, aliás, acontece com todo escritor cauteloso e cônscio de seu dever de escrever bem.
Depois, entre resenhas e artigos de crítica literária, que também os sabia fazer, vieram mais livros: NO MESMO TRILHO, em 1972, e ESTAÇÃO DAS MANOBRAS, em 1985, os quais tive a honra e a satisfação de prefaciar. E, por fim, em 1996, vem a lume a seleção de contos que denominou de CASOS CONTADOS E OUTROS CONTOS, pela Rio Fundo Editora, do Rio de Janeiro, consagrando-o definitivamente. Essa seleção nasceu de uma conversa minha com Assis Brasil, assessor e amigo do editor, encarregado de formar uma coleção da literatura regional brasileira.
Um certo dia do ano de 1995, antes de falar com qualquer pessoa do Piauí, Assis Brasil consultou-me por telefone,assim:
- Chico Miguel, preciso de um livro de contos seu para uma coleção que a Rio Fundo Editora vai iniciar, fazendo um levantamento da ficção regional do Brasil.
Respondi-lhe, imediatamente:
- Não, Assis Brasil, não possuo, no momento. E se o tivesse não satisfaria o objetivo da editora, pois não sou regionalista. Regionalista é o Magalhães da Costa. Ele é quem deve ser publicado nessa coleção. É o melhor contista piauiense, no momento. Merece ter sua obra lançada por editora nacional, com catálogo, divulgação, distribuição, etc. E, combinando com o crítico Assis Brasil, passei o recado ao autor de CASOS CONTADOS.
Magalhães da Costa, este grandioso contista, não é regionalista no sentido pejorativo em que alguns professores e críticos inconsistentes usam, mas no verdadeiro sentido da palavra, naquele em que a literatura, a obra, tem seu quê de regional. Machado de Assis é o único grande escritor carioca que se tornou universal. Para isto teve que ser genuinamente carioca, na linguagem, nos costumes, na geografia, em tudo. Tolstói, Dostoiévski, Proust, Fernando Pessoa, Shakespeare, Camões, Dante, Alexandre Dumas, Thecov, todos são regionais, homens de sua aldeia. Só assim se tornaram universais. Universais por serem mundialmente conhecidos, hoje. Universal não é aí uma condição intrínseca, íntima, pessoal, do escritor, mas enxertada pelo poder da mídia, da comunicação. Universal é o homem, mas a obra literária não é o homem. Ela continua a ser um objeto muito específico. Ah, meu Deus, faz quanto tempo que eu peço aos críticos para não confundirem alhos com bagulhos!?
Mais alguns dias, e Magalhães da Costa publica TRAQUINAGEM, Rio, 1999, pela mesma Editora - uma coleção de contos que salva do esquecimento do Autor e da memória coletiva as brincadeiras e estripulias do tempo de menino, uma antiga aspiração do seu tempo de ALMANAQUE DA PARNAÍBA, ou melhor, do seu tempo de menino em Piracuruca, onde nasceu e se criou, correndo livre e brincando a mais não poder com a molecada do seu tempo. Lembranças que o tempo não corrói, ao contrário, quanto mais antiga mais fresca na memória. Trabalho duro para encontrar a forma certa, a palavra correta e justa, o momento certo, o lugar certo, sem trair seus sentimentos. E encontrou. É um primor de livro. Magalhães conseguiu chegar ao ápice como contista. Um mestre.
Homem de coração grande e de grande inteligência, sincero e honesto nas suas ações e nos seus julgamentos, falece aos 18 de junho do corrente ano, deixando um vácuo enorme na Academia Piauiense de Letras e nas demais instituições onde tomava assento e dava sua contribuição É imorredoura a lembrança e a saudade nos seus familiares e amigos, que eram muitos. Para terminar, tenho vontade de dizer, porque sincera, a mesma frase que um poeta disse no enterro de Mário Lago, recentemente falecido, no Rio:
- Com sua morte, José Magalhães da Costa, o céu fica mais rico mas a terra certamente está mais pobre.