Paulo Nunes, à direita recebe Cunha e Silva Filho, ao centro, ladeado do filho Cunha e Silva Neto.
Paulo Nunes, à direita recebe Cunha e Silva Filho, ao centro, ladeado do filho Cunha e Silva Neto.

         [Cunha e Silva Filho]

         Soube,  ontem, à noite,  pelo meu filho mais velho,  que  M.  Paulo Nunes havia falecido. De propósito,  dou o mesmo  título desta nota   a um artigo que escrevi  sobre ele  tempos atrás, artigo que, depois,  o professor  Paulo Nunes  incluiu numa das suas obras.  

        É difícil receber uma notícia destas, sobretudo  referente a uma das figuras  de proa  da crítica literária do Piauí,  do ensaísmo   e dos estudos  profundos sobre educação  que o  velho mestre, nascido em   Regeneração, Piauí,  em 1925, produziu com  rara  e gigantesca  capacidade  de exercício de uma escrita límpida,  sem  pedantismos  nem hermetismos   no que concerne  à  exposição  de  suas análises, cujo traço  característico  mais evidente  é o seu estilo  moldado em    inegável clarté  francesa, porquanto   era um  conhecedor  também  dos  autores franceses, sobretudo no gênero  do ensaio, autores  que, de resto,  lia no original, assim como o fazia nos autores de língua  espanhola. 

         Paulo Nunes  foi   dos escritores  piauienses aquele que mais   escreveu para mim. Não eram, em geral,  cartas   longas.  Eram, melhor dizendo,  pequenas  mensagens, apostas  à margem  dos recortes dos  artigos  de sua autoria,   alusivas  ao mundo literário, sobretudo  a respeito  do que pensava  da práxis  literária. Eram mensagens  breves  e judicativas que  aproveitavam    o ensejo  para tecer,   quando  possivel,   alguns comentários   acerca  de  meus  escritos. Era um gentleman.   Em todo um longo percurso  de sua vida, esse gesto que teve  para comigo, o qual,    de resto,  só muito me  honra,  mormente por ter   tido o prazer de   travar  conhecimento mais aproximado com ele a partir da publicação do meu primero livro Da Costa e Silva:  uma leitura da saudade (1996).

           Foi ele que me servia de correspondente  encarregado  de mandar  publicar  os meus  artigos em Teresina, através dos disquetes  a ele enviados  e encaminhados às redações dos jornais,  o Diário do Povo e o Meio-Norte,  Primeiro quem  fazia isso  fora o   meu pai.  

         Paulo Nunes, essa figura de ilustre  representante   da  inteligência do Piauí, com o tempo,  se tornara uma espécie de  “decano” da crítica   literária  o seu estado natal,  sobejamente demonstrada  pelos seus  numerosos   livros,   prefácios,  introduções latejantes de   profundidade acerca   do fenômeno literário.       

          Para citar apenas uma, temos  de sua lavra   aquele   primoroso  ensaio-perfil que  escreveu sobre o  notável  historiador   piauiense Odilon Nunes (1889-1989).   Ele me mimoseou com  alguns  textos  comentando  trabalhos meus e lhes fazendo  as apresentações  em  memoráveis lançamentos   realizados  em Teresina,    na Academia Piauiense de Letras ( APL)  -  verdadeiras aulas  de cátedra  que tanto  deleitavam  seus ouvintes, pois era dotado  de vigoroso  talento   oratório,   mesmo de improviso, principalmente   de conferencista  literário.   Um  deles foi    o ensaio-prefácio  do meu  segundo livro, As ideias no tempo (2010).

          Sua produção ensaística, desde o seu primeiro livro de ensaios, A geração perdida -  ensaios em notas críticas. (Rio de Janeiro: Artenova, 1979, 164 p).   já dava  sinais evidentes de um  autor  que iria  dar  uma contribuição  relevantíssima à  vida cultural  piauiense  por décadas  ininterruptas  de   artigos  em jornais   de relevo,  em revistas,   dentro e fora do Piauí, e notadamente em livros  publicados. Sua produção,   na área da educação, da qual era um  expert,  é também  de alta significação local e nacional.   

         Paulo Nunes,  como gostava eu  de assim o chamar,  foi  essencialmente um homem de Letras,  um ensaísta  multiforme. Certa   vez,  dele li  um artigo,  no qual expunha   brilhantemente  sobre  filmes, sobre cinema,  e aí  pude constatar  a largueza de sua erudição  e  o seu traço  intelectual  de leitor compulsivo,  abrangente,  que ia  da literatura  portuguesa,   brasileira, à literatura   universal.  Um crítico   fundamentado tanto  na condição   de  analisar    autores  quanto  de os ler avidamente durante toda a sua  longa existência. 

         Um intelectual,   um highbrow avant la lettre, exemplarmente   dedicado,    ao fenômeno  literário no mais elevado  sentido  do termo.  Como gostava  daquela  forma  bem  sua, bem   peculiar  de dizer na condição de leitor  aficionado,    mais ou menos  nestas  palavras:  “Por favor, leitores,   não morram antes de ler  este livro.”  E assim, sucessivamente,   conclamava seus leitores a  conhecer   as obras   mais  refinadas  da   literatura mundial.

       Uma vez,   em entrevista, se não ocorro em erro,   afirmou:  “Sei que não vou ser um autor que vai ficar.” Ora, amigo  Paulo Nunes,  V., infelizmenate,  para nossa  tristeza, não ficar  mais é nos encantando  presencialmente,  com  a sua  palestra fácil, fluente, seu senso de humor.  No entanto,   para nosso consolo  de admiradores seus,  vai, sim,   permanecer  em seus livros   e no seu  prolífero  legado de sua  atividade  de  crítico,  ensaísta e de   emérito educador.

       O  poeta, africanólogo e embaixador  Alberto  da Costa e Silva,  um vez,   me  confidenciou: Paulo   Nunes   é  um intelectual   visceralmente   do mundo,   nunca   será um  provinciano.  Está  acima  das  contingências  e limites  de sua “aldeia,”  de vez que o  seu  universo interior,  cultural,    paira acima  da  mediania    da vida literária.  Por isso,  acrescento eu,    V. vai  permanecer na  história  do ensaísmo  e da crítica literária   de base  humanista-culturalista,  não diria  impressionista  com V.  se definiu erroneamente.  Desculpe-me pelo meu discordar  de sua definição de crítico.  

        Os seus críticos  preferidos,   dos mais  brilhantes  e, a meu juízo,   o melhor de sua preferência,  Álvaro Lins (1912-1970),   semearam, por  anos a fio, em seu espírito de escol, sólidos conhecimentos  na sua formação   intelectual,  durante as  inúmeras  vigílias de leituras   profundas,  incansáveis e duradouras tendo em vista a  consecução, o gran  finale   vitorioso,   de   torná-lo   o citado “decano, por merecimento   e reconhecimento, sem favor,  dos seus pares - carro-chefe dos debates e questionamentos  da vida literária  brasileira e da vida social,    piauiense,   nacional  e universal.

       Deus  o receba  no paraíso das Letras   com  o seu quinhão  de contributo  inestimável e imorredouro  no panorama da literatura  brasileira, em especial,  junto  aos que se foram e todos  e todas,  indistintamente, lidos e relidos    por V. os quais constituem   esse numeroso  conjunto, essa plêiade luminosa   de escritores,  vivos e mortos, todos queridos de suas leituras,   eternos   criadores   da beleza   literária, em  todos os gêneros,   em todas as épocas,    em nosso solo  pátrio e além-mar.   

       Publicado originalmente em 15.10 na Coluna Letra Viva, Em Entretextos.