Livros sob demanda: estoque infinito

 A série de livros do pequeno bruxo Harry Potter, escrita pela britânica J. K. Rowling, é considerada pela mídia especializada como uma das mais vendidas na história do mercado editorial. Desde que foi lançada em 1997, até seu último título, em 2010, os livros venderam 450 milhões de exemplares - em traduções para 67 idiomas ao redor do globo. As proporções desse título exibem a dominância que os chamados best sellers exercem na literatura mundial. Paralelamente a esse modelo consolidado e milionário, nas últimas décadas o mercado editorial desenvolveu uma tecnologia de impressão diferenciada, que mudou não apenas o processo de venda e produção, mas também a seleção de autores: o livro On Demand (sob demanda).


Luiz Fernando Pedroso, diretor-geral da Ediouro, define de maneira bem simples o processo: "É a tecnologia em que você faz apenas um livro, pedido através de uma gráfica digital, ao invés de buscar no acervo em offset". Além dessa, que é a definição central desse tipo de produção, existe ainda o ponto de vista da democratização editorial. Na opinião de Mário Cesar Martins de Camargo, diretor-presidente da Gráfica Bandeirantes, "com a impressão sob demanda, autores que não tenham acesso ou tenham sido rejeitados por editoras têm a possibilidade de encomendar 100 ou 200 livros para distribuição pessoal". De acordo com o executivo, esses escritores buscam gráficas alternativas por não atender aos critérios de perspectiva de venda das grandes editoras.

Um a um

Escolher uma obra, pagar por ela, ordenar que ela seja produzida e despachada até seu endereço com apenas um clique. Em linhas gerais, esse é o sistema que o mercado editorial brasileiro buscou implantar na última década.

Os especialistas ouvidos pela Negócios da Comunicação foram unânimes em eleger o modelo ideal que os executivos locais desejavam: a loja on-line norte-americana Amazon. Para isso, foram feitos longos estudos e adaptações à nossa realidade. Um ponto fundamental para o sucesso da produção sob demanda de livros, segundo Pedroso, da Ediouro, é seguir um parâmetro. "Nos Estados Unidos os livros são muito mais padronizados, o que facilita bastante na implantação de um processo On Demand. Aqui tivemos de pensar tudo isso antes de começar os trabalhos."

Mário Cesar, da Gráfica Bandeirantes, ressalta a perfeição tecnológica atingida: "O produto é o mesmo, com máquinas modernas de impressão digital, com diferença quase imperceptível entre o digital e offset." No entanto, o executivo ressalta a imensa diferença na acessibilidade. "Quantas vezes procuramos uma edição de livro que está fora do catálogo? É venda perdida, frustrante tanto para a editora ou gráfica como para o leitor."

Diante do mercado tradicional, a tecnologia On Demand também abre novas oportunidades de negócios. "Cria um mercado inexistente, que é o do livro de tiragem baixa", ressalta Mário Cesar. "A maior parte de nossos clientes são editoras pequenas, com tiragem entre 50 e 500 exemplares, mas títulos necessários, que atendem a uma demanda técnica, científica. Não é o tipo de processo para livros da lista dos mais vendidos."

A Ediouro, por sua vez, após visitas à sede da Amazon e praticamente uma década de estudos de mercado, resolveu criar um negócio separado. Há quatro anos desenvolve suas experiências On Demand através da Singular (www.lojasingular.com.br). "É o que chamamos de uma loja-conceito, mas que também distribui conteúdos para as principais livrarias do mercado", explica Pedroso, diretor-geral do grupo.

A Singular conta com 1.200 livros em seu catálogo, composto basicamente por títulos esgotados, que não estão mais disponíveis para impressão em offset. Uma outra característica que essa segmentação proporcionou foi a aproximação com grupos menores. "A loja e a produção de livros sob demanda fez com que nos relacionássemos com 80 editoras menores que, no modelo tradicional de mercado, não estariam trabalhando conosco", comemora o executivo.

Independência criativa e de mercado

O jornalista Luciano Martins Costa nunca foi do tipo que espera a consolidação de novas tecnologias para poder atuar nelas. Pelo contrário, quase sempre desempenhou funções pioneiras. Em seu histórico profissional, o professor e apresentador do Observatório da Imprensa no Rádio foi o responsável pela criação do projeto Estadão Multimídia, numa época em que a internet ainda consistia numa expressão pouco conhecida dos brasileiros. Investiu ainda em uma plataforma de e-commerce baseada em boletos bancários, quando não havia pagamento digital e quase ninguém portava cartões de créditos internacionais.

Ainda é muito cedo para falar de um mercado rentável de livros sob demanda no Brasil

"No começo dos anos 90, a indústria da impressão perseguia o conceito de computer to print, ou seja, um sistema em que bastasse apertar o send e o produto já saísse impresso", contextualiza Costa, que acompanhou de perto esse processo em congressos gráficos da época. Quando essa solução foi alcançada, segundo o especialista, ela deparou-se com um mercado muito restrito. "Já era o final daquela década, período com uma grande concentração de editoras, repletas de best-sellers com muito investimento em marketing."

Nesse contexto, predominava a função dos agentes literários, que buscavam autores com o peso da mídia e a garantia de que venderiam muito. Esse contexto favoreceu uma segmentação do mercado, principalmente em áreas não atendidas pelo padrão editorial estabelecido. Martins Costa enxergava aí terreno fértil para explorar uma área em ascensão - surgia a Biblos, uma editora que, por definição, "ajuda você a publicar sua obra em formato impresso de alta qualidade e digital". Uma opção On Demand que, em 2011, publicou 12 títulos entre romances, ensaios e poesias.

A própria dinâmica da Biblos já dava a tônica do contraste entre o mainstream e as novas editoras sob demanda: o próprio jornalista é quem seleciona, edita e publica as obras. "Às vezes, utilizo dois colaboradores totalmente on-line, que eu sequer sei onde moram", ressalta. Os títulos são impressos nos Estados Unidos e vendidos através da Amazon.com.

Na opinião do jornalista, a rentabilidade desse modelo de negócios está diretamente ligada ao conceito da "cauda longa", popularizada pelo editor da revista Wired, Chris Anderson, e aplicada a sites de varejo virtual. "O lucro depende de um portfólio grande de títulos, em que alguns desses registrem uma venda considerável e, assim, passem a ter seus recursos investidos nos demais", exemplifica.

O especialista deixa claro que é ainda muito cedo para falar de um mercado rentável de livros sob demanda no Brasil - o que também se aplica aos e-books. No entanto, acredita em desenvolvimento num período que ele classifica como "muito breve". E conclui: "Existe um potencial enorme de crescimento fora do modelo tradicional de negócios".

Aceitação

Apesar de servir como base para os negócios On Demand em solo brasileiro, o modelo norte- americano não se comportou da maneira esperada no país. Na análise do diretor-geral da Ediouro, Luiz Pedroso, é um mercado que ainda "não aconteceu" por aqui. "É uma frustração em relação aos números na Europa e nos Estados Unidos", diz.

Para o executivo, um dos obstáculos foi a falta de um grande propulsor, como a própria Amazon. "O varejo não aceitou isso como prioridade".

A Gráfica Bandeirantes também encontrou dificuldades na aceitação do modelo sob demanda. Em 2007 a empresa lançou o Bandbook, que consistia na encomenda, pela internet, de obras fora de catálogos das editoras, a partir de um livro. "A produção unitária revelou-se inviável por várias razões", afirma o diretor-presidente Mário Cesar de Camargo, que apontou dificuldades na comunicação com as editoras, para a disponibilização dos arquivos digitais, bem como na equalização dos valores. "Enfim, o livro sob demanda é um filão de negócios que a editora, principalmente a pequena, hoje não tem - mas a estrutura de custos insiste em comparar o preço unitário da tiragem offset com a digital, e o projeto morre."

A Amazon possui um acervo de 2 milhões de obras feitas sob demanda

A produção de livros sob demanda, comercialmente, ainda busca cases de sucesso no Brasil, um cenário que acaba de receber a Amazon. A gigante norte-americana, que iniciou as atividades em dezembro passado no país, possui um acervo de 2 milhões de obras no modelo On Demand. A chegada da empresa promete agitar o mercado e trazer novos clientes e novos investimentos. Na visão do jornalista Luciano Martins Costa, atualmente, o modelo sob demanda tem mais sucesso com os menores: pequenas editoras e autores independentes. "Funciona melhor com uma cooperativa de escritores em convergência com o modelo tradicional, que depende totalmente da garantia de vendas", destaca.

A CIDADE DOS AUTORES

Uma empresa com 20 mil autores e 21 mil títulos publicados - tudo isso em menos de cinco anos. Essa é a realidade da proposta do Clube de Autores (CA) (www.clubedeautores.com.br). De acordo com o sócio-diretor Ricardo Almeida, desde o início dos trabalhos a empresa foca nos temas "gratuidade" e "transparência". "Nós não cobramos nada para que ele publique a sua obra e o autor tem acesso às suas vendas, acompanha e gerencia os seus direitos autorais, pode alterar qualquer parte da sua obra de forma on-line e não tem nenhum tipo de cláusula de exclusividade ou de permanência por tempo mínimo conosco", explica. De posse de um original, o autor se cadastra no site e utiliza a própria plataforma do CA para preenchê-la com seu conteúdo, layout e capas. O custo total do livro envolve os direitos autorais (definidos pelo autor), a produção e uma porcentagem que fica com a empresa, a cada venda. Os custos finais são variáveis, mas, em média ficam entre R$ 8 pelo e-book e R$ 25 pelo livro impresso. O processo de edição e controle do conteúdo é 100% do autor, explica Almeida. "A regra, nesse caso, é bem simples: se o leitor não gostar da capa, sinopse e primeiras páginas que ficam disponíveis gratuitamente, ele não compra; se ele não comprar, o exemplar não será produzido." De acordo com o sóciodiretor, os números de autores cadastrados têm aumentado 100% ao ano. Para o jornalista Luciano Martins Costa esse tipo de iniciativa, denominada self publishing (autopublicação), marca também uma revolução no processo de divulgação dos títulos. "O autor deixa de depender de uma gigantesca estrutura de marketing, para apostar em seu marketing pessoal."

Com informações da Agência Negócios da Comunicação