Livro explica vitória eleitoral de Palmério
Marcos Moreno
 
Em 1940, Mário Palmério era apenas um jovem professor de 24 anos que chegava a Uberaba após uma temporada de estudos e trabalho em São Paulo. Dez anos depois, ele seria consagrado nas eleições de 1950, elegendo-se deputado federal e derrotando pesos pesados da política local, como Boulanger Pucci, então prefeito da cidade, e o ex-deputado Fidélis Reis. Como e por que isso aconteceu?
 
Essas são as perguntas respondidas no livro “A construção do mito Mário Palmério”, resultado da tese de doutorado em História do pesquisador André Azevedo da Fonseca, publicado recentemente pela prestigiada Editora da Unesp. E para responder a essas interrogações, o autor trancou-se (literalmente) por meses no arquivo do jornal Lavoura e Comércio (quando o acervo ainda ficava em Uberaba), analisou dezenas de cartas, fotografias, diários e vários documentos do acervo pessoal do próprio Mário Palmério e estudou o tema por seis anos, da especialização em História na PUC-MG em 2004 ao Doutorado na Unesp, concluído em 2010.
 
Com isso, descobriu uma história fabulosa que jamais tinha sido contada. Como não se interessar pela trajetória de um rapaz, filho caçula de um imigrante italiano, que em plena ditadura Vargas decide tornar-se um empreendedor e, sob a desconfiança de toda a cidade, cria uma série de escolas até fundar a sua própria Faculdade, a única da região ?
 
Sim, apesar de já ter mostrado serviço criando escolas de curso primário, secundário e científico nos anos anteriores, ninguém acreditou na faculdade de Mário Palmério. Para se ter ideia, o autor descobriu que, no primeiro vestibular do curso de Odontologia, nenhum uberabense se inscreveu, apesar da efusiva campanha realizada pela imprensa. O primeiro edital atraiu rapazes de treze municípios paulistas, de três cidades mineiras e da capital goiana. O segundo edital contou com 39 novas inscrições de jovens oriundos de 31 cidades em cinco Estados e mais o Distrito Federal. Nenhuma família de Uberaba confiou nele no primeiro vestibular. A imprensa da época se ressentiu com a cidade, mas no discurso de Palmério, era preciso acreditar na sua própria obra e investir em trabalho. A atual geração de administradores que se interessa por empreendedorismo teriam muito a aprender com essa história.
 
Mas a ambição de Mário Palmério parecia irrefreável. Estimulado por um circuito de elogios que tinha a imprensa como principal palco, o jovem professor aprendeu a utilizar os símbolos de prestígio de sua cidade e transitou com muita desenvoltura nos espaços das elites. Ele descobriu que, para ser elogiado, era preciso elogiar na medida certa. Mário Palmério cuidou de sua imagem em um tempo em que não se falava de marketing pessoal e aprendeu a impressionar os seus conterrâneos como imagens como essa, publicada em 1943, onde ele está rodeado de autoridades, como o próprio prefeito Carlos Prates, assinando o contrato de financiamento do prédio do Ginásio Triângulo Mineiro. Se repararem bem, dá para perceber que a encenação da foto é semelhante à disposição dos personagens no quadro da Santa Ceia.
 
O pesquisador analisou o empenho de Mário Palmério em conquistar uma imagem superestimada da imprensa e verificou que a imprensa entrou no jogo e começou a descrevê-lo com um vocabulário repleto de termos sagrados. Ou seja, consciente que era um ator social em uma cena política, Palmério aprendeu a encenar um papel.
 
A partir de 1946, observou o historiador, Mário Palmério passou a ser descrito como um desses guerreiros “devorados pela chama sagrada da vocação” que faziam “da sua própria vida um altar de oferenda” em favor do país. Não foi uma surpresa, portanto, que em 1950 ele irrompesse como candidato a deputado federal a partir da publicação do manifesto “Carta aos triangulinos”, onde pregava a separação do Triângulo Mineiro. E não surpreende também que os adversários passassem a empregar várias estratégias para desmerecê-lo. Por exemplo, naquele ano, Mário Palmério foi acusado de tudo, até de ser o mandante de um atentado à vida do prefeito Boulanger Pucci. Ora, para combater um personagem alçado à condição de veneração, é preciso inverter o jogo e fazer com que ele seja odiado.
 
Todas essas mitologias políticas são analisadas no livro, que já está disponível Todas essas mitologias políticas são analisadas no livro, que já está disponível à venda no site da Editora da Unesp (http://www.editoraunesp.com.br) no sistema de impressão por demanda. Quem preferir a versão digital, em PDF, basta fazer o download gratuitamente da obra. Para isso é preciso apenas um breve cadastro no site da editora. Desde a época em que publicou Cotidianos Culturais e outras histórias (Uniube, 2004), o autor é defensor e praticante do copyleft – uma licença que permite cópias de seus livros, desde que para fins não comerciais.
 

(*) Texto originalmente publicado na coluna Cultura & Arte, de Marcos Moreno, no Jornal de Uberaba