[M. T. Piacentini]

--- A senhora diz que se escreve lítero-musical. Permita-me discordar: a grafia certa é literomusical, como registram Aurélio e o Vocabulário da ABL. Ocorre que lítero- é um elemento de composição, e não um adjetivo, como esclarece o Houaiss. Por isso, literofobia, literomaníaco, literomusical e, por analogia, literorrecreativo. S. S., Recife/PE 

 

Eis uma boa discussão para quem gosta dos detalhes da língua portuguesa. Acrescentei-lhe mais duas palavras compostas cuja grafia tem sido objeto de dúvida e hesitação, como evidencia a variação de registro encontrada.
 
Literatura e música. Na prática, temos três formas em voga para significar algo que engloba os sentidos de literário e ao mesmo tempo musical, como um sarau, um encontro, um evento, uma realização: lítero-musical, literário-musical e literomusical. 
 
Lítero-musical – adjetivo composto da forma reduzida (que vem a ser um elemento de composição) do adjetivo literário mais o adjetivo musical. Conquanto seja uma grafia usada há séculos, não vi nenhum registro de lítero-musical nos dicionários editados entre 1957 e 2002, mas isso porque eles trazem poucos adjetivos compostos: encontra-se econômico-financeiro, porém não se vê técnico-financeiro e nem econômico-ecológico, por exemplo. 
 
Literário-musical – é o mesmo adjetivo composto sem a redução do primeiro elemento. Aparece no Houaiss, edição de 2001, mas não nos dicionários Aurélio e Houaiss lançados depois do Acordo Ortográfico.  No entanto, ambos trazem literário-editorial (relativo à edição de obras literárias). 
 
Literomusical – a grafia sem hífen e sem acentuação é a registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e no Aurélio de 1999 e de 2009 (as edições de 1985 e 1986 a omitem). A pronúncia deveria ser liTEromusical, pois se trata de palavra oxítona, isto é, há um acento subtônico na segunda sílaba e tônico na última, pois em princípio não existe na língua portuguesa palavra com duas sílabas tônicas. Esta grafia confirma uma tendência à eliminação do hífen, como se dá em “socioeconômico”, mas não é a melhor. 
 
Elemento de composição. O Houaiss 2009 não apresenta nem uma forma nem outra: esquecimento ou discordância? No mínimo, coerência com o que consta no seu rol de elementos mórficos. Ali se informa que “lítero” é elemento de composição, com o sentido de “letra”; entretanto é preciso notar o tracinho na frente [ -lítero], a mostrar que é pospositivo, ou seja, que ajuda a formar uma palavra como segundo elemento, por exemplo: unilítero, bilítero. O elemento de composição antepositivo é “liter-”, correspondente ao popular “letr-”, que se encontra nas palavras literal, literatura, iliteratrice etc., e também nas novas formações como literomania, “obsessão por escrever, por ser literato”, e literofobia, “aversão às letras, à instrução” – nestes dois casos não se trata de uma soma (cf. Não Tropece na Língua 300), como se dá com lítero-musical, lítero-poético, lítero-recreativo (literário E recreativo). 
 
Para reforçar isso com outros exemplos: em anglo-saxão e afro-brasileiro vê-se o resumo de inglês E saxão, africano E brasileiro. Já emanglomania e afrodescendente temos: mania de inglês, descendente de africano.
 
Infância e juventude. O VOLP 2009 traz infantojuvenil sob o argumento de que infanto é falso prefixo. Desconheço tabela de falsos prefixos ou pseudoprefixos que contenha infanto e litero, que sempre foram considerados redução dos adjetivos infantil e literário. Até o final de 2012 não constituirá erro escrever infanto-juvenil. Creio que mesmo depois disso continuaremos a ver delitos infanto-juvenis e literatura infanto-juvenil, por exemplo, ao lado das formas sem hífen. 
 
Espaço e tempo. O adjetivo relacionado a espaço-tempo (na física, redução de “contínuo espaço-tempo”) já foi espaço-temporal, espácio-temporal e espaciotemporal. Em 2009 a grafia oficial, registrada no VOLP e no Houaiss, passa a ser espaçotemporal. O Aurélio omite o termo. E eu novamente tenho de discordar, recomendando que se adote o adjetivo composto espaço-temporal.