Cunha e Silva Filho

                   Em razões de pesquisa que ando fazendo, me deparo com um comentário de Afrânio Coutinho (1911-2000), importante crítico literário, historiador e teórico da literatura brasileira, na obra Correntes Cruzadas – questões de literatura (Rio de Janeiro; A Noite, 1953)) que, a certa altura desse livro faz um comentário que, por analogia, me leva a refletir sobre a questão, de resto, sempre controvertida das relações entre o escritor e a política.

                 Coutinho faz afirmações favoráveis ao tipo de políticos que, na década de 40 e 50, se distinguiam em geral por posturas e comportamentos, segundo ele, em geral exemplares, ou seja, bons políticos que aliavam integridade moral e preparo intelectual. Aproveitava o crítico para fazer um cotejo entre a integridade moral daqueles políticos e certos grupos de homens de letras que faziam da vida literária um terreno infestado de oportunistas, medíocres e inimigos da seriedade, do estudo em profundidade, transformando o cenário da vida intelectual, sobretudo no âmbito da crítica literária, num estéril espaço de compadrio, de elogios mútuos e de ausência absoluta de critérios objetivos em lidar com a produção literária brasileira.

                Quem não estivesse dentro do grupo ou grupos dominantes sofreria pressões e indiferença, restando duas alternativas ao escritor que aspirasse  a ingressar na vida intelectual, desistir ou lutar com os grupos que dominavam a vida intelectual brasileira, principalmente nos dois maiores grandes centros, Rio e Janeiro e São Paulo.Era uma época atravessada por inúmeras polêmicas entre escritores, cada qual cuidando de seus interesses individuais visando a uma posição de destaque no domínio da literatura, tendo à frente a crítica literária.

               Ora, se pensarmos maduramente no que ocorria naqueles tempos e fizermos um paralelo com a situação vivida agora pelo país, vemos logo um dado que não podemos deixar de lado: há uma nítida inversão de valores se compararmos os políticos de hoje com os dos períodos acima-mencionados. Diria que política atual sofre da ausência de grandes figuras de homens públicos para dirigir os destinos do país. Quer dizer, a representatividade de nossos deputados e senadores não está à altura do que o país exige diante da crise de imoralidade, corrupção e indiferença sem precedente demonstradas pelos políticos em geral.

               Assistimos a uma deplorável estado de cinismo de nossa elite política ante as pressões justas nas ruas do Brasil, clamando, em curto prazo, por mudanças de comportamentos éticos de quem tem mandato na Câmara e no Senado. Vejo como fato deplorável os homens que ali estão eleitos pelo povo.  Teimam em não se dar conta da gravidade que pesa sobre os seus ombros de forma inexorável, convocando-os todos a terem vergonha na cara e a perceberem que o povo brasileiro não se deixará mais enganar com qualquer arrivista em pele de salvador da pátria que surja no cenário da vida política nacional. 

              Por outro lado, vejo que da parte da intelectualidade brasileira, há um fosso que se estabeleceu entre os escritores e a política, i.e., há uma indigência de vozes da elite intelectual que venha a campo, se juntar aos reclamos do povo por novos padrões de comportamento moral de que a nossa prática política tanto necessita e de que está tão pobre e tão órfã. Onde estão os escritores, os intelectuais de visão aberta e com coragem de agregar força e ânimo para compor a unidade de vozes contra a corrompida política brasileira? Onde estão intelectuais como o foram um Barbosa Lima Sobrinho, um Mocyr  Werneck de Castro, de  um Nelson Werneck Sodré, um Tristão de Athayde, um Fausto Wolff, entre tantos outros em diferentes épocas da vida social brasileira? 

            Os intelectuais jovens, os de meia idade e até os mais velhos estão muito calados, muito acomodados, muito aburguesados diante das incertezas do presente. Será que só pensam em suas carreiras de escritores, presos apenas ao mundo da ficção, da poesia, do ensaio e do teatro edulcorado, cuidando somente de sua produção e do seu sucesso editorial? Não sabem que a vida literária não se concretiza apenas no isolamento das questões sociais, que a literatura não é apenas imaginação, criação de uma realidade possível? Se é isso que lhes basta, que até podem alegar ser a criação artística uma forma de conscientização dos problemas sociais e das injustiças do mundo, e que por isso já estão implicitamente fazendo sua parte no combate contra a prepotência do poder e a ignomínia dos governantes quando publicam suas obras, não o é para mim. No meu modesto juízo, penso que os intelectuais devem, sim, juntar-se aos apelos da população, ainda que seja através de uma coluna de jornal, de um blog na internet, de um programa no rádio, numa entrevista na TV.

            Permanecerem, porém, em silêncio,  de alguma forma me parece inaceitável, dando azo a que os rotulemos de indiferentes ao que nos cerca, ao que está acontecendo no país. Seria o mesmo que cruzar os braços, lavar as mãos, afundar-se na indiferença, numa posição cômoda e cinzenta Nisto incluiria todo e qualquer intelectual, jovem, moço ou velho, nos muros da universidade ou fora deles.