LÍNGUAS PARA TODOS OS FINS

                                         

                                                             Cunha e Silva Filho
       

        Com o desenvolvimento do estudo da linguística - ciência constituída nos fins do século 19 -, sobretudo nos últimos quase cinquenta anos, a aprendizagem das línguas  foi enriquecida enormemente e em várias direções insuspeitadas no século passado ou em séculos anteriores. Foi uma verdadeira revolução nos fundamentos do ensino-aprendizagem até desaguar nos dias  que correm em que o aprendizado  se beneficiou de mil maneiras com o surgimento da Internet.
     Não diria que as contribuições dos velhos métodos foram de todo jogadas no lixo. Longe disso, as abordagens,  ou para usar um termo  tão ao gosto dos estudiosos,  os approaches conquistados com  os avanços  linguísticos, alcançaram as alturas  de hoje graças  aos diversos  métodos do passado e mesmo a ausência de métodos. Prevalece hoje em  dia o método  comunicativo, que alia  o  componente  do discurso oral prevalecendo sobre  o gramatical, mas sem   desprezar este. Um outro método  seria  o chamado  ensino de idiomas para  determinados fins,  priorizando  o campo  semântico  de um  dado  conhecimento humano e se aproveitando  do próprio background cultural  do  estudante.
       Desde a adolescência, o interesse pelos estudos de línguas modernas e mesmo mortas sempre foi uma grande preocupação  minha, desde o dia em que me descobri lendo no original inglês e francês sem recorrer muito ao dicionário pelo qual tenho  grande admiração. Costumava seguir aquela advertência de Théophile  Gautier (1811-1872)  que aconselhava aos jovens a leitura e consulta  constantes  nos dicionários: “Jeunes gens, lisez les dictionaires,” 
        Assim o fiz e ainda o faço não com tanta frequência da leitura pela leitura, mas para  consultas de traduções ou de leituras no original. Tive a sorte de ter um pai que conhecia  bem francês, latim, italiano e um pouco de inglês. Na minha casa,  em Teresina, na biblioteca dele,  ficava horas a fio  remexendo no “pai dos inteligentes”, como  preferia  o professor e  tradutor americano George Reed, em vez do nosso, para ele, inexplicável e injusto  conceito  “pai dos burros”.
        O estudo de línguas demanda constante dedicação e paciência. Não se aprende uma língua  por inteiro. Há diversos níveis de aprendizagem e vários campos de aplicação e uso  de idiomas: a) o uso da conversação nos seus,  pelo menos, três níveis (principiante, intermediário, adiantado) de compreensão ; o da  leitura (também com  seus três  níveis de habilidade; o da tradução, campo  fecundo e de alta complexidade, desdobrando-se em várias aplicações  e objetivos, como tradução técnica, literária, científica, tradução ficcional, tradução de conferências, interpretação para usos  prático-comerciais, tradução juramentada (para fins comerciais,  jurídicos, diplomáticos),  tradução poética; o da  versão, este dos mais espinhosos exigindo completo domínio da língua  nativa do  tradutor e da língua-alvo. 
      O campo  da versão, nas suas aplicações, é semelhante ao da tradução, mas  é ainda mais   complicado do que  esta última. Há quem diga que traduzir, principalmente obras literárias (ficção, poesia, peça teatral etc.)  é uma vocação.  Pessoas  há que entendem bem  uma língua estrangeira, porém são incapazes de serem bons tradutores. A razão é simples: a tradução ou a versão exigem a mediação da sensibilidade criativa. Quando um linguísta como Joaquim  Mattoso Câmara  Jr.(1904-1970) afirmou em aula -  tenho orgulho de ter sido seu  aluno  de  1966 e 1967  - que tudo é possível de traduzir, não queria mais do que significar o seguinte: ao tradutor  cabe  encontrar o equivalente semântico  entre um texto de uma  língua  para a outra. Este é o pulo do gato na laboriosa atividade  da tradução. Sendo assim, a tradução é uma busca contínua e de alta responsabilidade intelectual  e ética. O seu mau uso pode causar até tragédias, como  é a situação  daqueles que trabalham  em controle  do  tráfego aéreo, dos quais  se exige, antes de tudo,  um  convivi íntimo com  a habilidade oral de compreensão de uma idioma.
       Há um fato digno de  observação. Tradutores há  que não falam nem escrevem com proficiência uma língua, entretanto,  a traduzem  e às vezes bem. Por exemplo,  Mário Quintana (1906-1994) não falava  bem francês, mas  traduzia nesta língua. Acredito que  existam  muitos  tradutores  literários  que estão nessa mesma situação  que o poeta  gaúcho.
        Escritores há que leem bem no original algumas línguas , contudo não as falam  fluentemente porque  esta habilidade precisa de muita prática,  de muito  contato,  em especial com  os nativos dessas línguas ou que tenham tido vivência de, pelo menos,  segundo  afirmam  especialistas, cinco anos, no país da língua que  se deseja  dominar.
        Há muita  falácia quando  entramos no campo da discussão  dos chamados  poliglotas. Que eles existem  é um fato. Que  o cardeal italiano Mezzofanti (1774-1849), que   falava 38 línguas fluentemente e sem  sotaque!. ) existiu, existiu, assim como, entre outros poliglotas,  Wilhelm Leibiniz (1646-1716),  filólogo e matemático alemão abalizado em línguas, Erasmo Rask (1787-1832), professor dinamarquês de línguas orientais,William Jones (1746-1794),  indianista inglês, pioneiro na Inglaterra dos estudos do sânscrito e que, além disso, conhecia hebraico, persa, árabe, chinês, alemão,  italiano, português, espanhol e francês.  
         Todavia, aquele domínio pleno da língua é algo quase inatingível. Já disse um professor de línguas que muitas vezes  quinze ou vinte anos não é  suficiente para dominar-se um  idioma. É uma verdade. Uma língua só já dá grande trabalho de dominá-la  com perfeição nas habilidades do falar, do entender,  do escrever, do traduzir e do verter.  
          Uma  certeza tenho: a pessoa que  se der ao trabalho dignificante de  cultivar o conhecimento de duas  ou mais línguas, deve fazê-lo com  o propósito de  nunca  esmorecer no  contato diário com  esses instrumentos  preciosos da sua  formação  cultural. Jovens ou menos jovens, devem envidar esforços para aprenderem línguas e, se for profissional  liberal,  e desejar  fazer mestrado  e doutorado,  ainda se torna mais  indispensável, mesmo  obrigatório, o domínio de idiomas modernos. Sem esse instrumental, é impossível galgar maiores  posições em qualquer campo da  atividade intelectual, da pesquisa e  dos estudos  em elevados níveis  de complexidade.