Por Maria do Rosário Pedreira

Á procura de umas fotografias antigas em casa da minha mãe, fui dar com um desses caderninhos de significados em que escrevíamos, do lado esquerdo, uma palavra que não conhecíamos e, do direito (depois de consultarmos o dicionário ou perguntarmos a um adulto), um sinónimo ou a respectiva definição. E, tendo em conta que na capa estava escrito "3.ª Classe" a tinta permanente, fiquei admirada com o número de palavras lá registadas que hoje seriam consideradas difíceis para uma catraia de 8 anos: animosidade, baeta, comezinho, ícone, ninharia... De facto, desde que as novas tecnologias ditaram uma mudança de paradigma - e sobretudo por falta de leitura, mas também pela informalidade que se imprimiu à comunicação -, os jovens usam um léxico extremamente reduzido e estão cada vez mais longe de dominar a língua materna.

 
Não falo exclusivamente de Portugal. Na Nova Zelândia, num exame nacional de História realizado em Novembro passado, pedia-se aos alunos que comentassem a afirmação de Júlio César de que os acontecimentos importantes resultam muitas vezes de causas insignificantes ("Events of importance are often the result of trivial causes"). Ora, quando saíram as notas, eram inusitadamente baixas; e houve uma onda de indignação por parte dos estudantes até se concluir que a maioria (e estamos a falar de pré-universitários) não sabia o que queria dizer "trivial" ou, pelo menos, não conhecia o seu significado naquele contexto. (Um caderninho com a definição de "comezinho" e "ninharia" talvez os tivesse ajudado, mas julgo tratar-se de um instrumento pedagógico fora de moda.)
 
Se dantes praticamente só era mau aluno a História quem não pegava num livro, actualmente já não é bem assim, uma vez que o desconhecimento da língua afecta de forma decisiva a compreensão de qualquer matéria, incluindo as que, à primeira vista, dispensam a palavra. A este respeito, contaram-me, de resto, uma história curiosa. Num teste de Matemática, o enunciado de um problema começava assim: "Num aviário, os ovos são embalados em caixas de seis." Mal acabou de ler a frase, um dos alunos levantou-se para ir perguntar à professora: "De seis quê?" E, achando que o rapaz nem se dera ao trabalho de ler a frase com atenção, a senhora mandou-o para o lugar com uma resposta brincalhona: "De lagartixas, que havia de ser?" Porém, nos cinquenta minutos seguintes, acabou-se-lhe o sentido de humor: é que houve mais oito alunos a perguntar a mesmíssima coisa. Adeus, futuro.