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                                                                                Cunha e Silva Filho
 
 
      Entre o PT e seguidores  e o saco de gatos da oposição uma questão se interpôs, com repercussões cômicas, irônicas, desdenhosas  nas camadas  letradas, menos  letradas, com exceção dos extratos alfabetizados  e com  pouco   conhecimento  de fatos gramaticais. Os letrados da oposição viram  a fala do presidente interino como uma boa oportunidade de ironizar  o uso da mesóclise, ou  da tmese, como  gostava de denominar um conhecido meu, já falecido, secretário de um  deputado federal da ARENA, partido  de apoio à ditadura  militar  implantada no país  a partir de 1964. À ARENA se contrapunha o  MDB, partido de oposição consentida. 
    Os petistas agora encontraram mais um meio de luta política, a da aversão às formas cultas no uso da língua portuguesa que, por extensão, pertenceriam aos chamados, a toda hora, de  “golpistas.”  O uso da mesóclise se oporia,  então,  ao uso  de  solecismos  ou limitações  de linguagem  oral, além de falta da fluência notória na afastada  presidente Dilma, a qual, de improviso  jamais   - é de se supor -  empregaria a mesóclise do Temer.
     Vê-se, assim, que  o país se acha em  campos  opostos política e linguisticamente, ou seja, a suposta  esquerda culta  reprovaria  no Temer o uso da topologia pronominal culta no discurso do presidente interino mas, contraditoriamente, os letrados petistas não se furtariam a usar a  mesóclise nos seus textos escritos ou em algum  trabalho  acadêmico.
   Temer,  zeloso da língua pátria, semelha,  nesse ponto, ao  ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992), de resto professor de português do curso secundário, outro que gostava de  falar como se  estivesse escrevendo, a exemplo do famoso “Fi-lo porque  qui-lo.” De um lado e de outro,   não deixa de ser cômico  como  a questão dos usos da língua, na oralidade, se misturam, à feição,  por exemplo,  no português do Brasil e   no discurso oral, do emprego  dos pronomes “tu e você” em certas regiões do pais.
    Com  o desenvolvimento  dos estudos da linguística no país, sobretudo  com  o trabalho  pioneiro de Joaquim Matoso Câmara Jr.(1904-1970), “o pai da linguística”  no país,  na expressão  usada  pelo  eminente linguista Francisco Gomes de Matos,  a rigidez gramatical, conhecida como formas castiças  de procedência lusa, ou  por outra, a ortodoxia  do “certo e errado,” foi quebrada pelos novos  estudiosos da linguagem para os quais o rigor gramatical culto  não poderia ser o único  padrão de uso da língua, porquanto outras variações teriam, por assim dizer,  o mesmo  valor do ponto de vista de comunicação entre falantes de uma língua.
     Tanto os que  defendem o  rigor da norma culta espaço de estudiosos ainda presos  à gramática  normativa, quanto os novos linguistas que defendem  formas  radicais  de  liberdade   no uso da língua,  laboram em erro  em razão de que, se os falantes já escolarizados  não forem bem orientados  para as variações  diversas dos registros linguísticos,  sai perdendo  o ensino  fundamental e médio. O laissez-faire de linguistas modernosos  pode estragar o trabalho dos docentes  e dos  estudantes sob os cuidados deles. A porta da linguagem deve ficar aberta, mas não escancarada. E o pio inimigo nisso tudo  é a questão da correção  ou não correção.
    Essa questão é antiga e passa pelas polêmicas  que vêm, em nosso país, desde a ideias  advogada  por José  de Alencar (1829-1877)  ao propor a denominação  lingua brasileira,, sobretudo no discurso literário  escrito. Alencar, nessa questão,  em pleno  Romantismo,  era bem progressista em relação aos portugueses.
    Mário de Andrade ( 1893-1945) igualmente,  se interessou   pelo assunto e procurar incorporar  inovações na linguagem literária do Modernismo tanto quanto lhe foi   possível  para, nesse campo,  libertar-se da língua de Portugal. Por exemplo, a colocação dos pronomes oblíquos em próclise era uma  de suas   defesas no uso do  português  do Brasil. Mesmo, na linguagem ensaística, Mário de Andrade usava da próclise em início de frase.
     Até  mesmo um crítico progressista, como  Álvaro Lins (1912-1970),  censurou o  uso da próclise em ensaio de Mário de Andrade.  Outro  escritor brasileiro, que não era gramático,  como Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), escreveu   uma obra  em defesa da português do Brasil. Outro grande  defensor  da lingua brasileira foi o crítico e historiador literário  Afrânio Coutinho (1911-2000), que tinha o tema da língua brasileira como   um dos seus  preferidos até o final da vida.
    Filólogos e linguistas brasileiros, como  Sílvio Elia(1913-1998),  Celso Cunha (1917-1989), Celso Pedro Luft ( 1921-1995),  entre outros, em livros,  se mostraram bem abertos às contribuições  incorporadas ao  português do Brasil e a posições  bem  renovadas trazidas pelos novos linguistas, brasileiros ou estrangeiros, necessários ao novos tempos no uso da língua  portuguesa, com abonações de exemplos de usos,  na linguagem literária,  até dos escritores  mais novos.
    Uma obra importante abordando as novas  contribuições  da linguística  sobre usos diversos  do português no  Brasil foi  o estudo Sociolingüística – os níveis de fala,  de Dino Preti. Os livros didáticos passaram, então,  a  aproveitar  esses avanços e maior liberdade e abrangência  da questão  dos usos  do português.  
   Dentro dessa perspectiva inovadora, o que não se pode tolerar  é a radicalização a que podem conduzir   as variações linguísticas sem uma segura  orientação e senso das medidas dos docentes e dos linguistas, sob pena de o  aluno ou usuário do português do Brasil  confundir  os registros e cometer  erros  indesculpáveis como,  numa dissertação,   não saber  que variação  de uso da língua pode utilizar,  quer dizer,  ele tem que ser linguisticamente  ensinado a saber  que padrão de uso  deve seguir a fim de  exprimir seu pensamento sobre uma tema  dado.
    Da mesma forma, é descabido que  um aluno mal avisado, num exame de vestibular,   escrevendo  sobre um tema, o faça em forma de  poema quando   o que lhe  é exigido  é escrever  uma dissertação com todas as característica  dessa composição.  
  O que, no meu juízo,  passa a ser uso ideológico da língua, linguagem ou discurso, é desqualificar  a quem, por razões de formação cultural,  aprecia  o emprego de formas mais adequadas à linguagem escrita culta, como é o caso de Temer e  a aceitação de um  discurso mais estribado  nas formas incultas ou eivadas de erros da gramática normativa, o exemplo do Lula.
   Ora, esse político, consciente ou  inconscientemente,   mantém,  no improviso  diante  das camadas  populares, ou não,  o mesmo  nível de discurso (variação diastrática) a fim de manter-se mais próximo dessas camadas, populares ou  não. O que lhe importa é atingir a mensagem   de sua visão política como a de quem desejasse  exprimir  a sua completa adesão às necessidades reivindicatórias do seu público-alvo: as camadas desfavorecidas.
    Diferentemente, ao fazer um pronunciamento na ONU,   que é um discurso lido e escrito por  alguém de sua confiança,  o  nível de linguagem  obedece aos princípios da norma culta (variações diafásica e diastrática).
  O populismo petista não perde vezo para  tirar dividendos político-partidários em explorar o uso da língua  contrapondo  a correção gramatical  como forma elitizada  de um governo  regido por  adesões de estofo  neoliberal com os surtos de falta de  coerência  e surtos instantâneos  de fluência  da presidente  afastada, somados a anedóticas demonstrações de desconhecimento  dela em outras  áreas culturais,  levando-a a cometer  erros  como ao falar  que se poderia  “estocar  o vento.”   Lula,  que é inteligente e  tem o verbo fácil mas  claudicante nos  erros gramaticais,  não incorreria  em tais  apuros.
    De qualquer  maneira,  é curioso   ressaltar   como  a linguagem, como manifestação  cultural, presta-se  também  a fazer o jogo  político   do discurso  dos ricos letrados    ou menos letrados  assim como  dos letrados e não letrados  da esquerda, rica  ou pobre.