LÍNGUA E IDEOLOGIA NO BRASIL
Por Cunha e Silva Filho Em: 14/01/2025, às 15H52
LÍNGUA E IDEOLOGIA NO BRASIL(1)
Cunha e Silva Filho (
Entre o PT e seguidores e o saco de gatos da oposição uma questão se interpôs, com repercussões cômicas, irônicas, desdenhosas nas camadas letradas e, menos letradas, com exceção dos estratos alfabetizados e com pouco conhecimento de fatos gramaticais. Os letrados da oposição viram a fala do presidente interino como uma boa oportunidade de ironizar o uso da mesóclise, ou da tmese, como gostava de denominar um conhecido meu, já falecido, secretário de um deputado federal da Arena, partido de apoio à ditadura militar implantada no país a partir de 1964. À AENA se contrapunha o MDB, Partido de oposição consentida.
Os petistas agora encontraram mais um meio de luta política, a da aversão às formas cultas no uso da língua portuguesa que, por extensão, pertenceriam aos chamados, a toda hora, de “golpistas.” O uso da mesóclise se oporia, então, ao uso de solecismos ou limitações de linguagem oral, além de falta da fluência notória na afastada presidente Dilma, a qual, de improviso jamais - é de se supor - empregaria a mesóclise do Temer. Vê-se, assim, que o país se acha em campos antagônicos política e linguisticamente, ou seja, a suposta esquerda culta reprovaria no Temer o uso da topologia pronominal culta no discurso do presidente interino mas, contraditoriamente, os letrados petistas não se furtariam a usar a mesóclise nos seus textos escritos ou em algum trabalho acadêmico.Temer, zeloso da língua pátria, semelha, nesse ponto, ao ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992), de resto professor de português do curso secundário, outro que gostava de falar como se estivesse escrevendo, a exemplo do famoso “Fi-lo porque qui-lo.” De um lado e de outro, não deixa de ser cômica a questão dos usos da língua, na oralidade, se misturam, à feição, por exemplo, da mistura, no português do Brasil e no discurso oral, do emprego dos pronomes “tu e você” em certas regiões do pais.
Com o desenvolvimento dos estudos da linguísticos no país, sobretudo com o trabalho pioneiro de Joaquim Mattoso Câmara Jr.(1904-1970), “o pai da linguística” no país, na expressão usada pelo eminente linguista Francisco Gomes de Matos, a rigidez gramatical, conhecida como formas castiças de procedência lusa, ou por outra, a ortodoxia do “certo e errado,” foi quebrada pelos novos estudiosos da linguagem para os quais o rigor gramatical culto não poderia ser o único padrão de uso da língua, porquanto outras variações teriam, por assim dizer, o mesmo valor do ponto de vista de comunicação entre falantes de uma língua.
Tanto os que defendem o rigor da norma culta espaço de estudiosos ainda presos à gramática normativa, quanto os novos linguistas que defendem formas radicais de liberdade no uso da língua, laboram em erro em razão de que, se os falantes já escolarizados não forem bem orientados para as variações diversas dos registros linguísticos, sai perdendo o ensino fundamental e médio. O laissez-faire de linguistas modernosos pode estragar o trabalho dos docentes e dos estudantes sob os seus cuidados. A porta da linguagem deve ficar aberta, mas não escancarada. E o pior inimigo nisso tudo é a questão da correção ou não correção.Essa questão é antiga e passa pelas polêmicas que vêm, em nosso país, desde a ideias advogadas por José de Alencar (1829-1877) ao propor a denominação lingua brasileira, sobretudo no discurso literário escrito. Alencar, nessa questão, em pleno Romantismo, era bem progressista em relação aos portugueses.Mário de Andrade (1893-1945) igualmente, se interessou pelo assunto e procurar incorporar ao estilo literário modernista o que lhe foi possível para, nesse campo, libertar a língua de Portugal. Por exemplo, a colocação dos pronomes oblíquos em próclise era uma de suas defesas no uso do português do Brasil. Mesmo, na linguagem ensaística, Mário de Andrade usava da próclise em início de frase.
Até mesmo um crítico progressista, como Álvaro Lins (1912-1970), censurou- Celso Cunha (1917-1989), Celso Pedro Luft ( 921-1995), entre outros, em livros, se mostraram bem abertos às contribuições incorporadas ao português do Brasil e a posições bem renovadas dos avanços trazidos pelos novos linguistas, brasileiros ou estrangeiros, necessários ao novos tempos no uso da língua portuguesa, com abonações de exemplos de usos, na linguagem literária, até dos escritores mais novos.Uma obra importante abordando as novas contribuições da linguística sobre usos diversos do português no Brasil foi o estudo A sociolinguística – os níveis de fala, de Dino Preti. Os livros didáticos passaram a se aproveitar desses avanços e. deste modo, permitir maior liberdade e abrangência da questão dos usos do português falado ou escrito.
Dentro dessa perspectiva inovadora, o que não se pode tolerar é a radicalização a que podem conduzir as variações linguísticas sem uma segura orientação e senso das medidas dos docentes e dos linguistas, sob pena de o aluno ou usuário confundirem os registros e cometerem erros indesculpáveis como, numa dissertação, não saberem que variação de uso da língua podem utilizar. Quer dizer, eles têm que ser linguisticamente orientados a saber que padrão de uso devem seguir a fim de exprimirem seu pensamento sobre uma tema dado.
Da mesma forma, um aluno mal avisado, em provas do vestibular, pode erroneamente fazer um poema quando que tem é redigir uma dissertação com todas as característica dessa composição escrita. O que, no meu juízo, passa a ser uso ideológico da língua, linguagem ou a quem, por razões de formação cultural, aprecia o emprego de formas mais adequadas à linguagem escrita culta, como é o caso de Temer e a aceitação de um discurso mais estribado nas formas incultas ou eivadas de erros da gramática normativa, o exemplo do Lula.Ora, esse político, consciente ou inconscientemente, mantém, no improviso diante das camadas populares, ou não, o mesmo nível de discurso (variação diastrática) a fim de manter-se mais próximo dessas camadas, populares ou não. O que lhe importa é atingir a mensagem de sua visão política como a de quem desejasse exprimir a sua completa adesão às necessidades reivindicatórias do seu público-alvo: as camadas desfavorecidas.
Diferentemente, ao fazer um pronunciamento na ONU, que é um discurso lido e escrito por alguém de sua confiança, um assessor ou diplomata, o nível obedece aos princípios da norma culta (variações diafásica e diastrática).O populismo não perde vezo para tirar dividendos político-partidários em explorar o uso da língua contrapondo a correção gramatical como forma de elitização de um governo regido por adesões de estofo neoliberal com os surtos de falta de coerência e surtos instantâneos de fluência da presidente afastada, somados a anedóticas demonstrações de desconhecimento dela em outras áreas culturais, levando-a a cometer erros como ao falar que se poderia “estocar o vento.” Lula, que é inteligente e tem o verbo fácil mas claudicante nos erros gramaticais, não incorreria em tais apuros.De qualquer maneira, é curioso ressaltar como a linguagem, como manifestação cultural, presta-se também a fazer o jogo político do discurso dos ricos letrados ou menos letrados assim como dos letrados e não letrados da esquerda, rica ou pobre.
NOTA:
(1) o TEXTO ACIM POSTADO FARÁ PARTE DO MEU LIVRO INÉDITO
"LINGUA/GEM. EDUCAÇÃO , ENSINO E ALGUNS PERFIS"
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