Leitura e sentimentos

Ezequiel Theodoro da Silva

Dentre as múltiplas funções cumpridas pelas práticas de leitura, aquela de gerar sentimentos no leitor se coloca como uma das principais. Por exemplo, as chamadas "leituras de conforto" ( ou de lenitivo), geralmente feitas com textos da natureza religiosa, são capazes de reequilibrar um ser humano na sua caminhada existencial. E não é à toa que o livro mais lido no Brasil - e acho que também no mundo - seja a Bíblia. 
 
Muitos estudiosos dos processos de leitura afirmam que a formação de um leitor depende muito mais das leituras produtoras de sentimentos e de prazer do que as leituras voltadas ao estudo e às competências de natureza cognitiva. Daí a força da leitura da literatura, instigadora da fantasia e de sentimentos múltiplos, no desenvolvimento do gosto pela leitura. 
 
O quadro SAUDADE (1899. 1,97 x 1,01 m, óleo sobre tela), do pintor regionalista brasileiro Almeida Junior, nos ajuda a entender a relação acima exposta. Antes de tudo, chama a nossa atenção o trabalho feito com a luz. De fato, a cena é iluminada pela luz de uma janela, e há um grande contraste entre as vestes escuras da moça e a claridade do exterior. 
 
A expressão da moça que lê a carta é de grande tristeza.
 
Ainda numa análise ligeira da obra, percebemos uma luz em perpendicular que entra pelo primeiro quadrante passa pelo chapéu, brincos, boca, lágrima, documento, livro e termina no baú entreaberto - essa luz conduz de início o nosso olhar para dentro da obra. A postura da mulher, voltada para dentro de si mesma, simboliza "introspecção", ignorando o universo externo.
 
A tradução do tema é precisa na figura da comovida mulher, as lágrimas, duas gotas a correr em seu rosto, são certeiras da dor que por vezes compõe a palavra  "saudade" que ali é tratada como falta de algo ou de alguém. E lembrar ainda que, no final do século 19, quando a saudade se expressava na ausência física, as cartas constituíam um dos únicos caminhos para o diálogo na distância (hoje, com a entrada da internet, as cartas manuscritas, enviadas pelo correio, tendem a desaparecer ou, pelo menos, a diminuir de frequência).
 

E vem à mente nesta breve reflexão um pensamento de Helen Keller, que dizia: "As coisas melhores e mais bonitas do mundo não podem ser vistas ou mesmo tocadas. Elas precisam ser sentidas com o coração." Portanto, ler e sentir as coisas com o coração, ver nascer sentimentos em si, revitalizar as emoções desta vida através de leituras carregadas de sentimentos e emoções - eis um caminho seguro para um ensino orientado para formação objetiva de leitores na escola e em outras instâncias socioculturais.