[Whashington Ramos]                                                    

     Eu estava no quintal de casa escrevendo a ti um poema, quando começou a chover. Peguei o celular e corri para dentro de casa, para protegê-lo dos pingos que caíam. Quando voltei para pegar meu diário e os desorganizados papéis em que escrevo, teu poema estava manchado. A chuva adulterou o que eu estava te dizendo, minha ex-garota. Era uma chuva muito diferente daquela em que nos banhamos na fazenda, quando fazia pouco tempo que nos conhecíamos. (Tu lembras ainda? Corremos de mãos dadas, rolamos abraçados na grama macia, ficamos deitados, sentindo os pingos daquela chuva nos alfinetando suavemente como se fossem gotas de água benta a solidificar ainda mais nosso amor. Depois caminhamos para a casinha de taipa e palha, nos enxugamos e ficamos a escutar o barulhinho da chuva e o distante rumorejar dos trovões.).

     Pois é! Quando voltei, vi que o poema, de tão adulterado, ficou parecendo terra arrasada. No lugar de querida, estava queria. Em vez de carinho, ficou caminho. Mãos dadas se transformou em mãozada. Esta última mutação me deprimiu, pois nunca levantei a mão para ti nem para mulher nenhuma. Outros versos ficaram irreconhecíveis. Um pedaço da folha de papel A4 se rasgou quando a levantei da mesa. O lirismo do texto ficou perdido para sempre. Não vou tentar reescrevê-lo, pois já não tenho como te reencontrar, minha ex-garota.

     Esse poema seria o legado do que vivemos. Eu me recriminei por ter salvado o celular e deixado aqueles versos à mercê de gotas implacáveis.

     Ainda pulsam em meu cérebro os versos que eu estava escrevendo. Mas não vou fazer deles um monumento imune à chuva, ao sol, ao vento, à passagem inexorável do tempo. Não sou Horácio, embora goste dele. Não vou inscrevê-los numa pedra, nem numa folha de papel almaço, nem num caderno, nem numa máquina de escrever, nem num computador, nem num celular.

     Fiz um barquinho de papel do que sobrou da folha de A4, corri para a calçada e soltei-o na enxurrada. Ele se foi aos solavancos da água. Vi-o desaparecer na esquina, assim como te vi, minha ex-garota, sumir na curva da fazenda para nunca mais te reencontrar. Esse poema, que agora desce na enxurrada, era a última esperança e ainda uma lembrança. Acabou-se.