[Flávio Bittencourt]

Julho de 1961: crônica de Carlos Drummond na revista Mundo Ilustrado

O presidente do Brasil era Jânio Quadros, o redator-chefe da revista (janista) era Joel Silveira e ninguém sabia que Jânio iria renunciar. 

 

 

 

 

 

 

 

TEMPO DE CONTAR JOEL SILVEIRA LIVRO REPORTAGENS RECORD ED.

 

 

 

 

 

 

 

 

  

  

(http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-169674724-tempo-de-contar-joel-silveira-livro-reportagens-record-ed-_JM)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

(http://vbreportagens.blogspot.com/2008/10/carlos-drummond-de-andrade.html)

 

 

 

 

Foto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

Foto: Alícia Uchôa, do G1, no Rio

(http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL589110-5606,00-ESTATUA+DE+DRUMMOND+RECEBE+OCULOS+DE+NOVO.html)

 

 

 

 

Algumas fotos de Drummond

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 
 
 
Cortar o tempo
 
 
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
A que se deu o nome de ano, foi um individuo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação, e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade. De acreditar que daqui para diante vai ser diferente…

 
"Carlos Drummond de Andrade"

(http://elisparra.blogspot.com/2010/07/carlos-drummond-de-andrade.html)

 

 

 

 

 

18.3.2011 - O presidente era Quadros, o redator-chefe era Silveira e o cronista era Drummond - Ernest Hemingway há dias havia desaparecido de forma trágica. Como eu, em julho de 1961, ainda não tinha tinha completado quatro anos de idade, não sinto saudade dessa época, mas que ela foi boa, acho que foi. (Pelo menos, ainda havia democracia no Brasil, regime político que foi abolido no dia primeiro de abril de 1964.)  F. A. L. Bittencourt ([email protected])

 

 

 

MUNDO ILUSTRADO * N.º 186 * RIO, 15.7.1961 * CR$ 30,00

(p. 9)

 

 

CASAS; LEMBRANÇAS 

 

                   Carlos Drummond de Andrade

 

     Um colunista literário andou levantando a relação de casas do Rio ilustradas pela residência de escritores. O trabalho, no momento, é de mera informação. Dentro de X anos se essas casas continuarem de pé, e seus antigos moradores forem lembrados pelo que deixaram impresso, a relação servirá para que alguns desses imóveis sejam incorporados ao patrimônio histórico. O que - diga-se sem ofensa a ninguém - é pouco provável. A indústria imobiliária é uma primeira forma de crítica destrutiva. E não somente a maioria das obras desaparece na primeira curva do século, como, ainda, quem teria coragem de converter um apartamento em monumento nacional? Os edifícios de habitação coletiva passariam a ter partes ilustres (onde viveu o grande romancista) e partes obscuras (onde vegetaram pobres diabos).

     Normalmente, as casas de tradição vivem na memória de alguns, como a de Machado de Assis no Cosme Velho, que os olhos desapontados sempre procuram no lugar onde há hoje uma edificação qualquer. Todos nós tiramos fotografias mentais da casa a que costumávamos ir, para ver o literato famoso ou a filha dele, com o propósito de namorá-la. No ponto onde se alteia a massa indiferente de concreto, nossa imaginação recompõe linhas e planos de antigamente, com gestos, falas e impressões que se gravaram no íntimo. Os locais assim incorporados à nossa experiência individual, como o quarto de Manuel Bandeira na Rua Morais e Vale, ficam "intactos, suspensos no ar". (Por sinal que a casa não foi demolida, como anunciou o poeta, e existe hoje duas vezes, na rua e em verso lapidar). Pouco importa que o aspecto exterior se transforme. A rigor, não há nunca demolições; há superposições.

     Esta, a segunda corografia que o repórter literário poderia estabelecer. Servindo-se de documentação esparsa em livros e periódicos, e também do testemunho dos vivos, ficaria para o futuro o "caráter" de cada interior onde se escreveram nossas melhores páginas ou se viveram intensamente ideias. A imagem conservada pelo visitante e a transmitida pelo próprio morador se completariam ou se corrigiriam. Essas coisas, aparentemente vazias de importância, logo a adquirem se procuramos criar para a vida intelectual, ainda tão vaga entre nós, uma tradição sensível.

     (Há por exemplo um retrato melancólico de Luís Delfino, já velho, escrevendo ao canto da mesa de jantar, sob atoalhado grosso, os milhares de sonetos amorosos consagrados ao corpo de Helena. Ali estava a poesia se debatendo com o trivial. Consolemo-nos, lembrando que num quarto andar da Rue de Rome, em Paris, Mallarmé, embora rodeado de coisas belas, recebia os amigos num salãozinho que era também sala de jantar, e a mais nobre poesia ali encontrou asilo). 

     Mas não é bem uma reportagem que guardaria para o futuro a casa dos artistas e escritores por dentro, e sim um arquivo fotográfico ou um pequeno museu de literatura (ouço dizer que Josué Montelo o prepara dentro do Museu Histórico). A casa de Ronald de Carvalho, núcleo do modernismo nascente em Humaitá; o ambiente final da vida de Graça Aranha, no Russel; a longa mesa de jantar flanqueada de bancos, da antiga casa de Álvaro Moreyra, na Rua Xavier da Silveira, recordada por duzentos escritores; o escritório de Anibal Machado em Visconde de Pirajá, no fundo da casa onde gerações tão diversas confraternizam, e tantos outros interiores que influiram em nossa vida literária ou artística, pela gente que aí viveu, leu, discutiu, cismou: que nem tudo isso desapareça completamente sob a poeirada do novo Rio, e restem pelo menos fotografias nostálgicas e falantes.