Julgamento honroso a respeito de um jovem poeta piauiense

Uma palestra do professor Joaquim Ribeiro sobre a obra e a personalidade do piauiense Renato Castello Branco.

(Rio 30- aéreo) - O sr. prof. Joaquim Ribeiro pronunciou, no seu quarto de hora de palestra no P.R.A.2 a seguinte conversa sobre um poeta novo, o sr. Renato Castello Branco, jovem poeta piauiense, que já colaborou nas colunas de O tempo.

"Certa vez, perguntaram a Anaxagoras porque nascera. E ele respondeu sem vacilações:


_ Para ver o sol, a lua e as estrelas.


A resposta simples do sábio antigo não é para se estranhar.


Todos nós nascemos para contemplar a belleza, o que é, na verdade, uma finalidade sutil, deliciosa e superior.


O verdaderio sábio é justamente o homem que sab ver aqulo que os outros não vêem.


A intuição é sempre uma percepção artística e institiva das coisas, dos homens e das multidões, que nos cercam.


Nenhuma outra vaidade tenho se não a de ser homem de boa intuição.


Justamente por isso eu às vezes passo por advinhador de verdades,porque amo a hipótese e a conjectura, que são maneiras de fugir a ascersões categórcias.


Até hoje não tenho tido a prova de meus erros, e essa imunidade me coloca a cavaleiro de receios infundados.


Assim é que não receio anunciar que se encontra, entre nós, homens da cidade, um grande poeta> Renato Castello Branco.


Ninguém sabe que ele é, porque é moço ainda e aindanão publicou os seus poemas. É um gênio velado pelo ineditismo, mas é indiscutivelmente um gênio.


Noutro dia quando escrevi uma crônica sobre o renascimento da poesia brasileira, falando da poesia inéditos, esqueci-me deste e penitencio-me de não o ter encontrado antes.


Renato Castello Branco representa um teorema filosófico, difícil de ser demonstrado, porque nele os sentimentos e as idéias se encontram numa ebulição instável.


E o homem que veio do sertão, das plagas do Parnaíba, com todas as reminiscências da paisagem nativa e está diante da Metrópole com instintos de invasor e aspirações de suave evangelizador.


- A cidade o compreenderá?


Ele não deve temer a incompreensão, porque esta pode ser de um momento, mas nunca de eternidade.


Os poetas pertencem mais ao futuro que ao presente.


E ele não deve jamais esquecer que é um poeta.


Contam que Felipe da Macedônia tinha um escravo junto de si esécialmente para lhe lembrar todos os dias:


- Fellipe lembra-te de que és homem!


Renato Castello Branco, imitação do guerreiro, devia ter sempre junto de si quem lhe recordasse: Homem. Lembra-te que que és poeta.


A metrópole é uma monótona fábrica de desvirtuamento.Os poetas aqui desaparecem subvertidos pelo tu muito da vida e sogrem a obliteração do talento ao contato das asperezas da luta para viver. As grandes cidades e as grandes recuncias são irmas.


Renato Castello Branco deve,como Anaxagoras, não esquecer que há sol e estrelas no ceu...


Eu acredito ainda na predestinação e somente essa supertição justificável me leva a admitir a victoria do jovem poeta, que veio do Piauí.


Se a glória do mundo, segundo eurípides, não dura mais que un dia, quizera transformar esta noite numa Assunção. O dia do poeta há de vir, talvez mais cedo que ele imagina. O destino acha-se traçado e a realidade ali impressionante:


"O Parnaíba desemborca no Atlântico..."


As geografia não mentiram desta vez. O Parnaíba desemborca no mesmo Atlântico.
É uma verdade que pode parecer plágio do Piauí, mas eu creio que não há plágio entre verdades parecidas.


Não estive no longínquo Piauí, mas bebi da água parnaibana, boa e refrigeradora.Renato Castello Branco da bilha de barro, que são seus poemas, andou derramando essa água deliciosa e saborosa. O Atlântico - deserto Azul- que esse peregrino atravessou não conseguiu salgar o nectar originário.


Água pura como a poesia pura que nela se reflesca.


O peregrino veio do sertão distante para falar à plebe da cidade.


Há qualquer coisa de estranho nesse poeta do sertão, enxuto de carne, anguloso e herático como um "propheis".


A sua atitude mística coaduna-se perfeitamente com o seu clamor, suave e épico ao mesmo tempo.


Percebe-se que leu o catecismo de Castro Alves e o missal de Guerra Junqueira, mas ninguém jamais poderá negar a beleza de sua poesia.


O sentido social de sua poesia são deriva de uma "pose" moderna, vem, ao contrário, espontaneamente, das profundezas do ser como uma revelação atávica inesperada.


A poesia de Renato Catello Branco é uma síntese do esteio coletivo e, justamente, em virtude dessa significação revela, através de todas as imperfeições,  um temperamento genial.

O Tempo, 11 de maio de 1935.