[Maria do Rosário Pedreira]

Um septuagenário incorrigível descobre que tem Alzheimer e recusa-se a deixar este mundo sem primeiro fazer as pazes com um velho amigo que em jovem lhe roubou a namorada (e não só). Uma dentista, cansada da incomunicabilidade doméstica, recorre a um chat e encontra nele uma alma gémea que, afinal, conhece melhor do que pensava. Uma criança usa o computador que o avô lhe ofereceu para desabafar sobre uma crise familiar, na qual abundam segredos que se prendem com a Guerra Civil de Espanha, os grupos terroristas do País Basco e as convulsões em que a Europa mergulhou e transformaram o pai em mais um desempregado entre milhares. Estes são os três narradores de A Despedida de José Alemparte, segundo romance de Paulo Bandeira Faria, escritor português que reside na Galiza e se estreou com um livro sobre as feridas da Guerra Colonial e da descolonização intitulado As Sete Estradinhas de Catete, muito aplaudido pela crítica. Com um talento inegável para falar do duro e do difícil com humor e boa-disposição, este novo livro é uma reflexão muito bem apanhada sobre os dramas das sociedades contemporâneas e as mazelas que certos acontecimentos políticos deixam em famílias inteiras ao longo de décadas, sobretudo quando o silêncio substitui as conversas e gera equívocos insanáveis. Mas nada é insanável para José Alemparte, que não há-de partir desta vida sem pôr tudo em pratos limpos (tirando-os, muito provavelmente, da máquina de lavar loiça, com a qual imagina uma cena bastante arrojada que inclui uma senhora a quem recusou casamento). Obviamente, recomenda-se.