Joaquim Nabuco

Por M. Paulo Nunes

A propósito do 160º aniversário de nascimento de Joaquim Nabuco, transcorrido a 19 do corrente mês, pronunciei algumas palavras no último sábado, em nossa Academia, que vão a seguir reproduzidas.


Há duas semanas, esta Academia celebrou com uma conferência e uma mesa redonda o centenário do silêncio de Euclides da Cunha, um dos luminares da cultura brasileira, com a sua obra seminal, Os Sertões, sobre a tragédia de Canudos. Hoje lembraria igualmente a figura impar de Joaquim Nabuco pelo que ela representa para a história social de nosso país, em sua luta pela ascensão social de nossa população desassistida, de modo especial, a da raça negra, mergulhada por vários séculos na escravidão.


Descendente ilustre da aristocracia açucareira do nordeste brasileiro, tinha tudo para voltar-se exclusivamente para a defesa dos interesses de sua classe, não fora talvez o forte ascendente paterno, filho que era do senador José Tomaz Nabuco de Araújo, notável advogado e senador do Império e um dos mais importantes líderes abolicionistas, cujo perfil admirável foi por ele traçado em sua obra fundamental, Um Estadista do Império, em três volumes (1891-1899), e constitui uma das mais per-feitas reconstituições históricas de um longo período de nossa vida parlamentar. Ao contrário de Rui, nascido no mesmo ano de 1849, que se embrenharia na discussão estéril de nossos problemas jurídicos, Nabuco mergulharia no húmus da questão social do país, tornando-se um dos estadistas maiores da nação.


Depois publicaria ele uma obra também seminal, O Abolicionista, aparecida em 1883, em plena campanha abolicionista, a que dedicaria corpo e alma, até sua vitória final, em 13 de maio de 1888, com a assinatura da "lei áurea". Se as soluções ali propostas houvessem sido adotadas pelos governos republicanos que se sucederam no país todos os problemas da inserção do afrodescendente na sociedade brasileira teriam sido plenamente solucionados. Em 1890 publica ele o seu livro de memórias, Minha Formação, cu-jas páginas, sobretudo as de evocação da infância, no engenho Maçan-gana, nunca mais desapareceram da minha memória, as melhores que já pude ler em toda a literatura de evocação daquele período de nossa infância perdida: "O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança, esquecido pelo homem, e ao qual este terá sempre que se cingir sem o saber..."


Monarquista por formação, foi entretanto o nosso primeiro embaixador nos Estados Unidos, posto que passou a ocupar a partir de 1905, passando desde então a defender ideias internacionalistas, como o pan -americanismo.


Foi um dos fundadores, com Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, ocupando ali o cargo de secretário-geral. Falece no posto diplomático, em 17 de janeiro de 1910, tendo sido sepultado em sua terra natal, Pernambuco.

A Academia Brasileira, a que emprestou o lustre de sua inteligência, está programando uma série de eventos que a partir de agora assinalarão o silêncio de uma das mais completas personalidades de nossa vida pública e de nossas letras, como cidadão exemplar, homem público de vida irrepreensível, patriota e cidadão do mundo.

(*) M. Paulo Nunes é escritor