João Alfredo de Freitas
Por Reginaldo Miranda Em: 07/04/2019, às 14H16
Reginaldo Miranda*
João Alfredo de Freitas foi um jovem promissor cuja vida foi ceifada ainda no alvorecer da juventude, causando grande consternação a todos os que o conheceram.
Ele veio ao mundo em 17 de novembro de 1862, na cidade de Teresina, uma década depois de sua criação, filho de José Manuel de Freitas, magistrado e influente político liberal piauiense, e de sua esposa Teresa Carolina da Silva Freitas, ambos membros de tradicionais famílias da antiga vila de Jerumenha, no vale do Gurgueia.
Na casa paterna iniciou as primeiras letras, sob a orientação de seu parente Juvêncio Sarmento. E com a transferência de seu genitor para assumir a judicatura na comarca de Rosário, no Maranhão, o acompanha matriculando-se, em seguida, como interno no Colégio Nossa Senhora da Conceição, dirigido pelos padres Raimundo Alves da Fonseca, Raimundo da Purificação dos Santos Lemos e Teodoro de Castro. Prosseguindo no curso de humanidades, prestou exames no Liceu Maranhense.
Em 1878, está de retorno a Teresina, acompanhando o pai que fora eleito deputado geral. Nesse tempo aprofundou os estudos na capital piauiense, constando também que passou alguns meses na vila maranhense de Brejo, em casa de seu parente o coronel e professor Lavor, onde estudou latim, a fim de concluir os estudos preparatórios em 1879.
Com esse cabedal de conhecimento ruma para o Recife em 1880, matriculando-se na Faculdade de Direito. Então, passa a morar em uma república de estudantes, ao lado de seu primo e biógrafo Clodoaldo Freitas, de Clóvis Bevilacqua, que mais tarde viria a ser seu cunhado, e de Martins Júnior, com quem faria sólida amizade. Era uma época de efervescência das ideias positivistas, das quais seus colegas eram grandes entusiastas, sendo logo cooptado pelos mesmos.
Durante o período de estudos no Recife, dedica-se às letras e aos estudos filosóficos, publicando alguns trabalhos interessantes, a saber: Contetos, seu livro de estreia em 1883, aos 21 anos de idade, com apresentação de Clóvis Bevilaqua, constituído por estórias de uma fase real de sua vida, durante férias escolares na cidade de São Luís do Maranhão, sendo este um poema de amor não metrificado, idílio casto de uma sublime poesia do coração, no dizer do primo Clodoaldo Freitas; segundo outro primo, Astrolábio Passos, esses ternos e mimosos contetos, em número de dezessete, antes de serem reunidos em pequeno volume de 77 páginas, foram quase todos publicados no jornal Pacotilha; no mesmo ano, publicaria Algumas palavras sobre o fetichismo religioso e político entre nós (Recife: J. J. Alves de Albuquerque, 1883), monografia de 24 páginas. Sobre a primeira obra, assim noticiou os jornais Diário de Pernambuco e A Imprensa, este último de Teresina:
“Contetos – Com este título, o Sr. João Alfredo de Freitas deu à estampa, publicados em folhetos, uma coleção de pequenas histórias, primeiros frutos de seus esforços na arena literária. De par com muitos defeitos, que raro não mostram os estreantes nas letras, têm os Contetos algumas belezas que fazem bem augurar do autor, tão jovem na arte de escrever como moço em anos. Agradecemos-lhe a fineza que nos fez, mandando-nos um exemplar do seu livrinho” (Diário de Pernambuco, 2.6.1883).
“Contetos.- Publicou com este título no Recife o sr. João Alfredo Freitas, digno filho do nosso ilustrado amigo sr. desembargador Freitas e distinto estudante do 4º ano da faculdade de direito, um volume de 77 páginas, onde reuniu diversos pequenos contos, de belas concepções.
‘Ao seu distinto autor agradecemos a delicada oferta, que nos fez de um exemplar” (A Imprensa, 28.6.1883).
Sobre a segunda obra, vejamos esse comentário de Abreu Bastos, no Diário de Pernambuco, depois transcrito em um jornal de São Luís do Maranhão:
“O fetichismo religioso e político por João Alfredo de Freitas.
‘Sobre este assunto foi publicado um folheto por João A. de Freitas, já conhecido no nosso círculo literário.
‘.........
‘Compete a João Alfredo de Freitas a glória de ter iniciado entre nós o estudo de uma matéria até então abandonada.
‘O seu livro é um fruto benéfico de um esforço feliz. É um resumo bem elaborado do nosso fetichismo religioso e político, onde em estilo simples, despretensioso e bem acentuado, descreveu a sua evolução histórico-filosófica. Há algumas páginas de verdadeiro método literário” (Gazeta de Notícias. Maranhão, 6.7.1883; Diário de Pernambuco, 22.6.1883).
Todavia, o trabalho mais substancioso dessa fase estudantil seria publicado pouco antes de sua formatura, em princípio de 1884, sendo Lendas e superstições no norte do Brasil, ora reeditado pela Academia Piauiense de Letras, onde analisa a psicologia do povo, principalmente dos mais incultos, com suas crendices, lendas, fantasias e superstições. Recebeu comentários de Tobias Barreto de Menezes, cuja correspondência somente depois de organizada a reedição daquela obra localizamos publicada em jornais de Pernambuco e do Maranhão, fato que impediu sua inclusão naquela reedição. A respeito deste volumeto publicou a Revista de Estudos Livres, de Lisboa, matéria transcrita no Diário de Pernambuco e dali no A Imprensa, de Teresina:
“... e hoje temos ocasião de saudar mais um novo campeão das doutrinas científicas, João Alfredo de Freitas, moço inteligente e ilustrado, que se estreou no ano findo com um interessante folheto sobre o fetichismo religioso e político no império brasileiro. O folheto que temos presente continua os estudos então inaugurados por ele, e faculta curiosas indicações aos folcloristas, embora a colheita de lendas e superstições nos pareça bastante diminuta em comparação ao que temos o direito de esperar do norte do Brasil. Aguardamos muito maior riqueza de fatos no novo livro que o autor nos promete na sua advertência preliminar – A quem ler” (A Imprensa, 4.10.1884).
Durante essa fase de estudos no Recife, fez-se também abolicionista, figurando como membro da comissão da Caixa Emancipadora Piauhyense, ao lado de Anísio de Abreu e Manoel do Nascimento Burlamaqui, entre outros (Jornal do Recife, 6.4.1884 e 22.4.1884).
Conclui o bacharelado em Direito em 4 de março de 1884, colando grau perante uma comissão de lentes, em sessão extraordinária, retornando logo a Teresina, onde chega em maio seguinte. Vinha com promessa de assumir a secretaria de governo do Piauí, fato que não se concretizou.
Inicia carreira no Ministério Público, sendo nomeado em 16 de junho de 1884, para o cargo de promotor público da comarca de São José dos Matões, em substituição a Álvaro de Assis Osório Mendes, em cujo cargo toma posse em 21 de julho e permanece até 22 de novembro do mesmo ano, sendo exonerado a pedido. Então, a partir de 30 de outubro de 1884, inicia colaboração no jornal A Imprensa, órgão do Partido Liberal e logo mais também no Abolicionista, neste último publicando alguns capítulos de um inconcluso romance. Por decreto de 30 de maio de 1885, foi nomeado para o cargo de juiz municipal e de órfãos do termo de São Francisco do Maranhão, prestando juramento e entrando no exercício do cargo em 7 de setembro daquele ano.
Em 24 de novembro de 1885, o bacharel João Alfredo de Freitas foi nomeado promotor público da comarca de Teresina, sua terra natal, substituindo ao dr. Francisco de Sousa Martins.
Retornando ao cargo de juiz municipal e de órfãos do termo de São Francisco do Maranhão, permanece por pouco tempo, em face da queda do Partido Liberal, sendo exonerado em 16 de julho de 1887 (A Época, 29.3.1884 e 29.11.1884; A Imprensa, 29.3.1884, 8.4.1884, 3.7.1884, 6.7.1885e 30.10.1884; Diário do Maranhão, 20.5.1887, 26.7.1887; Publicador Maranhense, 8.7.1884, 19.7.1884, 28.8.1884, 2.12.1884, 11.7.1885, 10.9.1885; O Paiz, 26.7.1887; Pacotilha, 15.5.1884 e 12.5.1904).
De volta ao Recife ainda em agosto de 1885, por motivo de licença do trabalho e onde o esperavam seus pais, ali se estabelece com banca de advocacia, dedica-se ao magistério de Matemática e prossegue na produção literária. Nesse tempo, em companhia de Clóvis Bevilaqua e Isidoro Martins Júnior, traduz para o vernáculo o primeiro volume da segunda edição francesa do precioso livro de Jules Soury, Jesus e os Evangelhos(Recife, 1886). Alguns meses depois publica Excursão pelos domínios da entomologia – estudos e observações sobre as formigas (Recife, 1886). Este último constitui-se num “Trabalho feito com a maior atenção, de estilo ameno e claro” (Diário de Pernambuco, 2.4.1886).
Por esse tempo já estava completamente dominado pelos estudos de ciências naturais, afastando-se completamente da advocacia e dos estudos jurídicos, prosseguindo apenas no magistério. Ainda publicaria, em 1888, outra interessante obra, Escorços de etologia entômica, trabalhos esses que lhe trouxeram reputação no campo da ciência. Sobre esse último volume, assim noticiou o jornal A Imprensa:
“Escorços de Ethologia Entômica – Com este título acaba o nosso distinto amigo dr. João Alfredo de Freitas – de publicar um folheto, nitidamente impresso, de 144 páginas.
‘É um livrinho interessantíssimo, que vale a pena ser possuído e lido pelos cultores das letras, apreciadores de trabalhos desta natureza.
‘Os juízos externados por pessoas competentes sobre tão mimosa produção são mui lisonjeiros ao seu ilustre autor” (A Imprensa, 10.11.1888).
Na sessão de 29 de abril de 1886, foi aprovado para sócio efetivo do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco (Jornal do Recife, 1º.5.1886).
Casou-se em 29 de janeiro de 1887, no Recife, com Maria Amável Dubourcq de Freitas (falecida com 52 anos de idade, em 5 de julho de 1914), descendente de distinta família pernambucana de origem francesa, com que teve um casal de filhos: Maria Tereza Dubourcq de Freitas, prematuramente falecida em 12 de maio de 1904, com apenas 14 anos de idade, sendo o corpo sepultado no cemitério de Santo Amaro; e João Milton Dubourcq de Freitas, que ainda sobrevivia em 1926.
Em 24 de janeiro de 1889, integra um grupo de trinta piauienses que fundam na cidade de Recife, a sociedade denominada União Piauhyense, destinada a congregar os interesses da influente colônia piauiense na capital pernambucana. Esta sociedade elaboraria, em 1891, um projeto de Constituição do Estado do Piauí, de que participou da elaboração João Alfredo de Freitas. Naquele mesmo ano envida esforços, juntamente com Clóvis Bevilaqua e S. R. Wing, para criação de uma Sociedade de ciências naturais e de antropologia, visando divulgar estudos dessa natureza no meio cultural recifense (A Phalange, 20.3.1889; A Epocha, Recife, 17.10.1889).
Com a Proclamação da República, mesmo residindo no Recife, candidatou-se ao cargo de deputado federal constituinte, no pleito travado em 15 de setembro de 1890, não logrando, porém, êxito no pleito eleitoral. No entanto, um manifesto firmado por 22 membros da colônia piauiense no Recife, foi divulgado no Jornal do Recife (22.2.1890) e transcrito no Estado do Piauhy (26.3.1890), exaltando o seu talento e virtudes para bem representar a nossa terra no parlamento nacional.
Com a saúde bastante fragilizada, sob instância de seu amigo Miguel Castro, que assumira o governo do Rio Grande do Norte, em 20 de março de 1891, João Freitas toma posse no cargo de chefe de Polícia daquele Estado. Nesse exercício permanece até 28 de novembro, quando rebentou uma revolução que derrubou o governo, sucedânea do movimento que também derrubou o presidente Deodoro da Fonseca, sendo aquele preso juntamente com o chefe de Polícia e outras autoridades e deportados para o Ceará, de onde retornaram para Recife. Foi um período de amargura para o nosso escritor, prejudicando a sua saúde já muito fragilizada (Diário de Pernambuco, 29.3.1891; Rio Grande do Norte, 8.1.1892).
Logo mais, esclarecidos os fatos, retorna ao Recife, sempre com a saúde abalada, vindo finalmente a falecer em 31 de dezembro de 1891, às sete horas e meia da manhã, onze dias depois de sua chegada, vítima de hemorragia pulmonar, com apenas 29 anos de idade, na chácara Caldeireiro, arredores do Recife, quando muito ainda poderia contribuir para o País com seus sábios estudos científicos. Foi sepultado no cemitério público da cidade de Recife. Seus dados biográficos foram traçados pelos primos e contemporâneos Astrolábio Passos e Clodoaldo Freias, ponto de partida para outros estudos, inclusive este.
No entanto, sua obra é hoje desconhecida do público ledor, não tendo ainda merecido reedição, sendo mesmo difícil o acesso a um exemplar, razão pela qual lutamos para incluí-la na coleção comemorativa do centenário de fundação da Academia Piauiense de Letras, onde ele é patrono de uma cadeira. Felizmente, conseguimos adquirir um exemplar de Lendas e superstições do norte do Brasil, existente num sebo do Rio de Janeiro, que serviu para a reedição. É o primeiro passo para o resgate da obra desse jovem escritor que tão cedo foi arrancado aos seus familiares e amigos.
Como sinal do prestígio social que angariara entre seus contemporâneos, ainda no calor daqueles fatos, anotou um jornal republicano potiguar:
“O ilustre dr. João Freitas, como cavalheiro e como funcionário público está muito acima das setas envenenadas dos pestilentos escrevinhadores, que ele sabe desprezar.
‘Espírito trabalhador e convenientemente cultivado, tendo como patrimônio sagrado – a única herança que lhe foi legada por seu digno progenitor, tem sabido honrar este nome fazendo conhecido até no estrangeiro o seu talento e amor ao trabalho, merecendo que dele tenha feito menção, homens notáveis” (Rio Grande do Norte, 2.10.1891).
Portanto, com essas notas fazemos importante registro da memória de um ilustre piauiense, cuja vida embora curta, foi de notável contribuição à ciência e aos seus contemporâneos.
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* REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Atual presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí Contato: [email protected]