Igreja matriz de Santo Antônio, em Jerumenha, construída em 1746, pelos jesuítas.
Igreja matriz de Santo Antônio, em Jerumenha, construída em 1746, pelos jesuítas.

Reginaldo Miranda*

A cidade de Jerumenha, no vale do Gurgueia, assenta suas raízes no antigo Arraial dos Àvila, sendo esse um fato tido e havido como certo, sem qualquer contestação. Entretanto, a data de sua fundação tem desafiado os historiadores brasileiros que se interessaram pelo assunto, entre esses: José Martins Pereira de Alencastre, Francisco Augusto Pereira da Costa, pioneiros na historiografia piauiense, e Luiz Alberto Muniz Bandeira, historiador da Casa da Torre.

Sobre esse assunto já nos debruçamos em algumas análises, divulgadas pela imprensa piauiense e posteriormente, reunidas em volume denominado Piauí em foco, já em segunda edição. Todavia, parece que agora chegamos à data precisa. É o coronel Garcia d’Ávila Pereira, em petição dirigida ao rei de Portugal no ano de 1721, quem vai esclarecer os fatos.

Diz o Senhor da Casa da Torre que mandara fundar o arraial no contexto do levante geral dos índios, que sabemos ter iniciado em 1712, sob o comando de Mandu Ladino e não no contexto do devassamento e conquista do Gurgueia, como queriam os citados historiadores. Essa perspectiva muda toda a conjuntura de análise.

Foi no governo do “capitão general do Estado do Brasil, Pedro de Vasconcelos e Souza – diz o coronel Garcia d’Ávila Pereira –  [que] começou o gentio bravo a invadir a Capitania do Piagoí, destruindo as fazendas de gado, que nelas se achavam e descuidando-se os Oficiais da Ordenança e moradores da mesma Capitania de se oporem como devido nestes insultos (...) se resolveu a fazê-la à sua custa [o peticionário Garcia d’Ávila Pereira] por fazer serviço a V. Majestade; e defender as ditas suas terras, o que aprovou-a o dito governador e capitão general, dando-lhe para isso as ordens necessárias, e o mesmo fez o Marquês de Angeja, e os mais seus sucessores, e com as ditas ordens fez ir os índios do rio de S. Francisco com o Mataroa seu governador, e outra muita gente com seu cabo, que foram assentar arraial na dita Capitania, e nela se acham há mais de seis anos; sendo governados pelo dito cabo, que é o Sargento-mor Francisco Xavier de Britto, fazendo a dita conquista, assim pelas ordens dos governadores gerais e vice-reis do Estado, com a aprovação dos governadores do Maranhão, cujos dês... pertence a dita Capitania”(AHU – Cx. 1 – Doc. 27).

Portanto, esclarece o coronel Garcia d’Ávila Pereira que foi autorizado a fundar o arraial pelo governador Pedro de Vasconcelos e Souza, cujo governo transcorreu de 14.10.1711 a 14.10.1714. Mas como saber a data precisa? Ora, o levante geral dos índios teve início somente em 1712, porém, ele esperou a reação dos oficiais e moradores do Piauí, que não ocorreu como ele esperava. E mesmo entrando em cena no ano seguinte, é fácil se supor que somente em 1714, pôde ele fundar o arraial, depois de obter autorização e preparar a tropa e mantimentos para viajar no período de verão, como então se fazia.

E nessas circunstâncias, com 340 homens, entre índios e brancos, desce Gurgueia abaixo até o local em que acharam estratégico para dar combate entre os sertões do Piauí e dos Pastos Bons, no sudeste do Maranhão, onde também tinham fazendas, chegando a 13 de junho, dia consagrado a Santo Antônio, no calendário cristão, quando abrem a clareira das rancharias e assentam as bases do arraial. Era costume português dar às novas localidades o nome do santo do dia, daí terem invocado Santo Antônio de Pádua, padroeiro do novo arraial. Arraial de Santo Antônio, também conhecido como Arraial dos Ávila ou Arraial do Gurgueia.

Em princípio de agosto de 1714, os moradores do novo arraial já entravam em choque com o mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, que os submete ao seu comando na conquista dos índios Jaicós(Mello, Pe. Cláudio. Bernardo de Carvalho. Teresina: UFPI, 1988, págs. 38/40). Segundo Maia da Gama, em princípio de 1718, o governador-geral Alexandre de Sousa quer fazer Francisco Xavier de Brito por mestre-de-campo da conquista(op. cit, pag. 47).

E segue o conflito dos arraialados com o mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar. Em janeiro de 1721, este informa ao rei sobre a situação dos índios e ações do sargento-mor Francisco Xavier de Brito. Em 24 de maio do mesmo ano, por instâncias deste, o governador do Maranhão o notifica a cessar a guerra contra o elemento indígena, a tempo que este se encontrava com 300 homens e 500 bois para o seu sustento. É em resposta a esta notificação que o coronel Garcia d’Ávila Pereira remete a citada petição ao rei, cujo trecho supra foi transcrito.

Para o momento é o que interessa dizer e provar, de que o arraial dos Ávila, em cuja base se assenta a cidade de Jerumenha, foi fundado em 13 de junho de 1714, com 340 moradores, entre índios do rio São Francisco e cavalarianos, por Francisco Xavier de Brito, sob ordens de Garcia d’Ávila Pereira, com autorização dos governadores gerais do Brasil e Maranhão. Portanto, no último dia 13 de junho a cidade de Jerumenha completou 300 anos de fundação, constituindo-se numa das mais velhas comunas do Piauí. Em outra oportunidade analisaremos novos aspectos da formação política, econômica e social do lugar.

(Publicado no jornal Diário do Povo, 4.12.2014, em comemoração ao tricentenário de fundação do lugar)

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REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Atual presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Contato: [email protected]