Sandoval é um caso à parte. Desconfia de tudo que é moderno, tecnologicamente: celular, internet. Computador, então, é um deboche só. Os amigos sabem que ele disfarça com suas loas, pois é um cara esperto, vivo, perspicaz e, principalmente, um grande gozador.


    Dia desses, afobado como sempre, relatou-me um pesadelo que tivera na noite anterior, envolvendo essas “modernidades”.


    Esse negócio de computador e demais bugigangas eletrônicas de que vocês tanto gostam e que, felizmente, não me atraem nem um pouco, começou a me incomodar, sabe? Por que, Sandoval? Brinquei. Rapaz, ontem, em pleno expediente no bar, dado o pouco movimento, encostei a cabeça numa mesa e, de tão cansado (estou ficando velho, meu camarada!), imediatamente, adormeci. O que vou lhe falar não é mentira, nem molecagem - defendia-se, antecipadamente,  prevendo alguma gozação de minha parte -: vi com estes dois olhos durante o cochilo. Ver dormindo, Sandoval? Tomou cerveja choca? “Educadamente”, declinou o nome de meu parente que bebera a dita, e continuou.


    Não sei bem que lugar era aquele, o certo é que nunca estivera lá nem havia visto nada igual, antes. Parecia um escritório, limpo, claro e silencioso. Várias pessoas trabalhando, normalmente e uma conversando com uma máquina, ou melhor, lendo para ela em voz moderada. No lugar onde deveria ficar o tal teclado, uma caixa, iluminada nos pontos referentes às teclas. À medida que a pessoa falava, um monitor – cruz credo, já estou com a mania de vocês, droga! – registrava num formato de texto. O que me encabulava era que, somente pela entonação da voz da mocinha leitora, o equipamento fazia a pontuação. Vírgula, ponto, parágrafo, travessão, tudo se alinhava na tela. Vez em quando, o danado questionava sobre uma frase ou palavra que não tinha entendido bem.


    No curso da leitura, prosseguia Sandoval, a leitora precisou afastar-se do instrumento. Ao voltar, sem que pedisse, o trambolho releu o texto, antes de recomeçarem. Ao final, uma voz aveludada e calma vinda do interior da máquina, quis saber da ditadora/leitora quais dos títulos, que elencava, ela preferia. Companheiro, todos, a meu ver, modéstia à parte, estavam perfeitamente condizentes com o assunto. Escolha um qualquer, ordenou-lhe: isso é um rascunho. E o escolhido, sem dúvida, para mim, foi o mais coerente. Empolgado, continuava.


    Creio ter ouvido de vocês acerca de máquinas semelhantes que executam e auxiliam nas tarefas desenvolvidas por deficientes visuais ou auditivos, mas aquela parecia não requerer qualquer comando ou alerta, mesmo sobre onde colocar ponto, vírgula, iniciar ou terminar um parágrafo. E tem mais: concluído o texto, perguntava se o gravava ou apenas imprimia em papel. No meu sonho ela fez as duas coisas, imprimiu e gravou – talvez porque a moça tenha falado que se tratava de um rascunho.


    Depois disso, graças a Deus, acordei, ou melhor: fui acordado, suado e nervoso. O bar estava escuro. A mulher o fechara e, àquela altura, no quarto, dormia roncando feito um trovão. Comecei a matutar: rapaz, essa lavagem cerebral que ando recebendo, diariamente, está me deixando descompensado. Vou ficar louco logo, logo.

    Que nada, Sandoval, animei-o. Seu sonho, se já não o for hoje, amanhã será realidade. Todos nos sentimos malucos muitas vezes e, ainda bem que é assim. Tristes de nós não fossem esses instantes de loucura. Eles nos fazem criar, inovar, discutir, criticar; enfim, agir com liberdade.

      Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal e escritor piauiense