Iniciação poética

[Dilson Lages Monteiro]

O meu primeiro contato com a poesia nasceu do emaranhar-se na natureza. Nasci em um lugar abençoado, com um rio serpenteando a rua principal, a 100 metros de onde vivi a sagrada idade da infância. O rio era o nome da beleza. Por muitos anos, o que havia de maior: devorava gente que nunca mais voltava, escondia tesouro em sua pequena ilha, matava a fome dos pescadores e assustava com as águas ligeiras da invernadas.

A natureza se entranhava em mim, ainda, na água abundante dos riachos do recanto de meu avô: Tanque, Poronga, Açude, Mangueiras etc... E um dia nunca esqueci que adentrei na mata escondido e descobri a água escorrendo azul entre palmeiras. A imagem mais bela que vi.

A poesia nasceu para mim do cheiro da vegetação, da caatinga seca, das paisagens transformadas entre o marrom e o verde, a cada inverno, a cada verão. Habitava o barulho da cigarra, em sua orquestra de ritmos dançantes e elevados. Habitava o barulho do vento tocando em cadência as palhas dos babaçuais. A natureza tinha um nome: poesia.

Descobri depois que ela morava em mim: em cada assombro que as voltas da vida dá. Em cada pedaço de emoção que não se consegue desgarrar do pensamento e volta de quando em vez a se repetir sob a forma de palavras. Estranhas vozes do mundo dos sãos em seus sonhos de superação e coragem, arrancados das fronteiras do inconsciente, numa brincadeira que se parece muito com o ato de nascer.

Vieram Bandeira, Drummond, Vinicius, Cecília, Murilo e mais alguns fazer companhia no jardim das descobertas. A eles, Eliot, Pound, Montale se somaram. E a estes, a curiosidade da teoria literária de caminhos sempre descontrolados pelos leitores.

Tudo isso surgiu tão naturalmente, como se a palavra abrisse a porta e dissesse:

-- Entra, a casa é tua!

E eis-me aqui lendo e relendo o que o destino e a curiosidade escrevem!

 

Na foto, a famosa Ilha do Amores, de Barras do Marataoã, a cidade onde nasci, em registro fotográfico de Flávio Moraes.