[M. T. Piacentini]

Eis um assunto difícil, talvez impossível de abordar numa só lição. Trata-se exatamente do uso do pronome se em frases como a inicial: deveria eu ter escrito “impossível de se abordar”?  Não necessariamente.  Para confirmar, vejamos alguns casos específicos do emprego do infinitivo sem o pronome se para indicar impessoalidade.


1. Não se usa o pronome se com o infinitivo de orações substantivas (sublinhadas abaixo), das quais a mais comum é a oração subjetiva (funciona como sujeito do verbo ser e de outros verbos como convir e caber):


É bom viver nesta cidade. [e não: *viver-se]

Não é possível duvidar do rapaz. [e não: *duvidar-se]

As mesmas roupas permitem chegar a um visual novo e bonito, bastando acrescentar acessórios diferentes.  [e não: *se chegar/*se acrescentar]

Era importante manter negociações com os países fronteiriços.

Convém fazer a escalada devagar.

Não havia como suspeitar da moça, sempre tão solícita...


Na estrutura ser de + infinitivo, o se – embora comum – não precisa ser usado:


Era de ver a confusão no parque!  É de ver e rever!

É de esperar que os melhores candidatos sejam aprovados.

Não havia lei que regulamentasse as temporadas de caça ou a captura de animais com armadilhas, de modo que não era de espantar que a maioria dos colonos praticasse a caça livremente.


2. Não se usa o pronome se quando o infinitivo complementa um adjetivo e tem sentido limitativo ou passivo (por isso às vezes chamado de “infinitivo passivo”):


É uma cidade boa de viver.  (de alguém viver, de a gente viver)

Tal sujeito é osso duro de roer! (de ser roído)

No estande da feira havia livros baratos e bons de ler.

Algumas poesias são fáceis de decorar, outras não.

Só encontrei no saite exercícios difíceis de fazer.


3. O infinitivo fica invariável quando funciona como complemento nominal de um substantivo:


Já era hora de investigar o assunto. [e não: *de investigar-se]

O processo de dividir as cotas foi rápido.

Encontrou-se muita dificuldade em obter a cura.

O hábito de beber álcool é nocivo à saúde.

Há várias maneiras de fazer planilhas.


Observo que em alguns desses casos será possível flexionar o infinitivo se for preciso deixar claro que o sujeito é “nós”, perdendo o infinitivo a sua impessoalidade: Já era hora de investigarmos o assunto. O processo de dividirmos as cotas foi rápido. Mas normalmente o contexto onde se acha a frase já deixa isso evidente, tornando desnecessária a flexão.


Alguns ainda poderão objetar dizendo que usam o se porque tal construção corresponde à voz passiva sintética. A ver: hora de ser investigado o assunto; dificuldade de ser obtida a cura, maneiras de ser feita uma planilha... Se assim for, é conveniente anotar que no plural, no rigor da gramática, deve-se fazer a concordância verbal: Há várias maneiras de se fazerem planilhas.


Por fim, embora o assunto não se esgote por aqui, lembro que é bom analisar a construção sintática antes de excluir o pronome se, pois pode se tratar realmente de voz passiva, a demonstrar impessoalidade, como neste exemplo:


Durante a Segunda Guerra Mundial, com a proibição de se falar o idioma alemão, a Irmã Cácia foi substituída por uma brasileira.


Se se dissesse apenas “de falar o idioma alemão”, a proibição pesaria somente sobre a Irmã Cácia; mas não é o caso, pois nesse período da guerra decretou-se que ninguém podia falar alemão no Brasil.