INFÂNCIA CURTA
Por Margarete Hülsendeger Em: 30/11/2010, às 16H25
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração.
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
(Bola de Meia, Bola de Gude – Milton Nascimento)
Na maior parte do tempo procuro não pensar na idade – na minha idade. No entanto, às vezes fatores externos fazem com que me pegue refletindo, não só sobre as questões relacionadas com o envelhecimento, mas também no quanto o mundo a minha volta está mudado.
Há algumas semanas, li em um jornal que uma rede de lojas no Reino Unido fora obrigada a retirar de suas prateleiras sutiãs recheados com enchimento, o famoso bojo, feitos para meninas de até sete anos. Vou repetir, caso alguém ache que fiquei maluca: uma loja resolveu vender sutiãs com enchimento para meninas de até sete anos. Segundo a matéria do jornal, a pressão da sociedade foi tanta que a loja, além de retirar a mercadoria das suas prateleiras, pediu desculpas por alguma ofensa que possa ter cometido. Ainda bem! Pelo menos dessa vez as pessoas demonstraram ter algum juízo!
De qualquer maneira, depois de ler essa notícia, pensei: para onde foram as bonecas? E as brincadeiras de faz-de-conta? E os jogos de cartas, banco imobiliário, amarelinha, cinco marias? Para onde foram o sonho e a fantasia?
Quanto a mim posso dizer, sem nenhuma vergonha, que ganhei minha última boneca quando já tinha dezesseis anos e nem por isso meu desenvolvimento foi prejudicado: namorei, casei e fui mãe como todas as outras mulheres. No entanto, como minha vida seguiu um ritmo bem mais tranquilo, tive tempo para desfrutar dos prazeres simples de ser criança. Minha mãe nunca me vestiu como se eu fosse uma pequena mulher. Ao contrário. Salto alto, por exemplo, só fui conhecer bem mais tarde quando entrei na adolescência e mesmo assim com algumas reservas, pois como ainda estava em crescimento, ela não considerava saudável expor a minha coluna a agressão de um salto agulha.
Contudo, basta passearmos uma tarde pelo shopping para percebemos o quanto a realidade dos dias hoje é diferente. Menininhas de cinco anos já andam por aí mexendo os quadris em tamancos que eu, bem mais velha, não me atrevo a usar. O mesmo acontece com a maquiagem. As meninas usam e abusam de batons, rímel, blush e até de cremes, chegando ao cúmulo de já acharem que precisam de cirurgias plásticas antes dos dezoito anos.
As justificativas para esse tipo atitude são as mais variadas. Há a presença de uma mídia – quase onipresente e onipotente – que vê na mulher – não importa a faixa etária – um produto para ser vendido e explorado. Além disso, as próprias mulheres, ao conquistarem sua autonomia financeira, deixaram de consumir apenas os produtos voltados para o lar e passaram a desejar outros objetos mais ligados ao seu desejo e prazer. Esse novo comportamento influenciou a forma de educar toda uma nova geração de meninas e meninos.
Entretanto, essas ou outras explicações não diminuem o fato de nossas crianças estarem crescendo mais rápido do que deveriam. Quando são pequenas, querem chegar logo à puberdade e, quando se tornam adolescentes, sonham em ser adultas. A passagem do tempo, para elas, não segue mais aquele passo tranquilo de outras épocas. Muitas etapas estão sendo queimadas, tornando a infância uma fase da vida quase em vias de extinção.
Os especialistas dizem que fugir das influências de uma época é algo impossível. Numa sociedade hedonista como a nossa fica difícil escapar dos apelos constantes de uma mídia que tenta nos vender um ideal de felicidade que está longe de ser o melhor. Afinal, se tudo pode ser comercializado é porque tudo, aparentemente, tem um preço.
Todavia, é nesse meio que as nossas crianças estão crescendo. E elas, assim como nós, não são imunes a esses mesmos apelos. Logo, são os mesmos especialistas que recomendam: se o foco da mídia não vai se alterar, cabe às famílias tomarem precauções para que as suas crianças não caiam nesse impulso consumista. É preciso deixar que a infância transcorra no seu próprio tempo, sem acelerar o processo, evitando a todo custo que etapas importantes do desenvolvimento infantil sejam afetadas. E como a melhor forma de educar é pelo exemplo, pais e mães devem se preocupar não só com o que seus filhos consomem, mas com o que eles mesmos acreditam que seja importante consumir.
Uma vez, Orson Welles disse que havia lutado para escapar da infância o mais rápido possível, mas, assim que tinha conseguido, voltou correndo para ela. Parece que as nossas crianças andam fazendo esse mesmo movimento, querem escapar da sua infância a qualquer custo. Mas será que, mais adiante elas, assim como Welles, não sentirão falta do que deixaram para trás? Compete, então, a nós, os adultos, impedir que isso aconteça. Nada de sutiãs para menininhas de sete anos. Nada de roupas ou artifícios que as tornem mais velhas do que elas realmente são. É preciso investir em bonecas, carrinhos, bolas de futebol e tudo o que possa despertar a imaginação e a criatividade em mentes que ainda têm muito a aprender e sonhar.